RJ: Equipe médica do hospital Miguel Couto é investigada por negligência em morte de professora

A professora Ilza Felipe da Silva, 56 anos, morta em maio deste ano após ser atropelada por uma motocicleta pode ter sido vítima de negligência médica. A filha de Ilza, Anita Karen Kelly Felipe da Silva, de 33 anos, denunciou ao DIA uma série de irregularidades no atendimento à sua mãe no Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, Zona Sul do Rio, culminando na morte da paciente. Todas as ações foram confirmadas por um profissional de saúde do hospital à reportagem. A 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes) também está investigando a conduta dos médicos que atenderam Ilza.

Anita, que é advogada, denunciou ao DIA que os médicos da unidade de saúde teriam negado realizar um exame de tomografia e cirurgia emergencial para salvar a vida da professora, que já estava em estado grave depois de ser atingida pela moto quando atravessava a rua, em frente à estação de BRT Salvador Allende, no dia 23 de maio, às 11h27.

Com múltiplas lesões, principalmente na cabeça, ela foi socorrida por uma ambulância do SAMU ao Hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, para receber os primeiros socorros. Diante da gravidade dos ferimentos, ela foi transferida ao Hospital Miguel Couto, de onde não saiu mais com vida. Ilza deu entrada com traumatismo craniano na unidade de saúde às 13h30 e foi deixada em uma sala de emergência.

Um profissional do hospital, que participou do atendimento à vítima, confidenciou ao DIA que os médicos “desistiram” de salvar a vida de Ilza. O funcionário diz que a administração precisou ser pressionada para que alguns materiais fossem disponibilizados à paciente. A identidade do profissional será mantida em segredo por questões de segurança.

A família só foi avisada da internação quase cinco horas depois da entrada da professora na unidade. “Quando eu cheguei lá, perguntei logo se eles haviam feito algum exame e se ela já tinha saído da cirurgia. Como foi um atropelamento grave, imaginei que ela tivesse sendo atendida ainda. Mas para a minha surpresa, o médico que me recebeu alegou que minha mãe estava com a pressão muito alta e por isso não seria indicado realizar qualquer procedimento naquele momento”, lembra Anita.

A advogada continua o seu relato de dor: “eles simplesmente resolveram não fazer nada. É claro que a pressão não vai melhorar se a pessoa está perdendo muito sangue. Eles só fizeram, ou pelo menos dizem ter feito, a tomografia por volta das 19h depois que eu comecei a questionar o motivo deles não terem feito o exame”, disse. A mulher conta ainda que o caso da sua mãe foi bem parecido com o do ex-BBB Rodrigo Mussi mas, que ao contrário do que aconteceu com Ilza, ele conseguiu ser operado a tempo e sobreviveu.

“No dia 21 de junho eu tive uma consulta com o Saul Almeida da Silva, médico do Hospital das Clínicas de São Paulo, que cuidou do caso do Rodrigo. Ele me explicou que um caso de traumatismo craniano grave tem que ser operado em até quatro horas. Ou seja, não houve urgência da equipe médica para realizar o procedimento. Nem um cateter colocaram na minha mãe para conter o sangramento”.

Mãe e filha ainda tiveram um momento juntas, na noite do acidente, antes da professora Ilza falecer. “No momento que eu entrei no quarto ela levantou a mão direita, fez movimento de tosse e uma lágrima caiu dos olhos dela. Naquele momento tentei tranquilizá-la, falei que ela estava no melhor hospital. Ela estava sedada somente, nem em coma induzido colocaram ela”, lembra a filha.

Morte de Ilza e desaparecimento de exames

A professora foi mantida em um quarto de emergência durante toda a internação. Por estar com a pressão alterada, nenhum procedimento foi realizado, segundo a filha, que esteve ao lado de Ilza durante todo o tempo. Ainda de noite, o médico responsável pela paciente conversou com Anita para explicar o quadro grave da mãe e que nada mais poderia ser feito.

Em uma tentativa de ajudar a mãe, a advogada solicitou transferência para um hospital particular, mas os médicos disseram que a paciente não iria resistir se fosse transferida de unidade. Na manhã do dia 24 de maio, em um dos poucos momentos que deixou a mãe sozinha, ela foi até a direção do hospital para tentar pressionar o diretor da unidade pedindo a transferência. Quando ela retornou, recebeu a notícia que Ilza havia morrido.

Anita diz que o médico deu como causa da morte insuficiência cardíaca. Na certidão de óbito, porém, consta que Ilza teve hemorragia meníngea. Além de precisar lidar com o luto, a advogada também busca explicações para o atendimento que a mãe recebeu no Miguel Couto. “Eles dizem que minha mãe não aguentaria passar pela cirurgia, mas o único exame seguro para determinar se a cirurgia seria eficaz ou não seria a tomografia, que deveria ter sido feita imediatamente, assim que ela chegou, às 13h30. Porém, eles só resolveram fazer a tomografia depois que cheguei e cobrei, ou seja, às 19h”.

Sem saber se o exame de tomografia realmente fora feito, Anita buscou ajuda na 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes) para ter a resposta e esclarecer outros pontos da história. A delegacia, então, oficiou o hospital e pediu com urgência as imagens do exame. Em resposta, a unidade respondeu no dia 25 de junho que o sistema não comportava os exames por tanto tempo.

“Não me conformo, uma informação importante ter sido apagada em tão pouco tempo”. Durante a consulta que teve com o médico do Hospital das Clínicas de São Paulo, o profissional aconselhou Anita a buscar o resultado da tomografia para, então, analisar se de fato caberia uma cirurgia no caso de Ilza. Ainda segundo o médico à advogada, somente o exame pode confirmar se uma cirurgia era viável naquele momento.

De acordo com o Conselho Federal de Medicina, mesmo que o hospital tenha realizado o exame, eles deveriam ter este documento arquivado. A Resolução 1.821 de 11 de julho de 2007, artigo 2º, item “b”, diz: “Método de indexação que permita criar um arquivamento organizado, possibilitando a pesquisa de maneira simples e eficiente”.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), as imagens ficam guardadas por um período de 30 dias e depois são apagadas do sistema.

Sofrimento para enterrar a mãe

Além de todo o sofrimento da perda, Anita ainda teve que esperar três dias para conseguir enterrar a mãe. Acontece que no dia 24 de maio, data da morte, a cidade do Rio de Janeiro vivia a segunda operação policial mais letal de sua história. Na ação, 26 pessoas foram mortas na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio.

“Me avisaram que só teriam dois rabecões disponíveis para fazer o transporte dos corpos na cidade naquele dia. Minha mãe foi enterrada no dia 27 de maio, no Cemitério da Paciência. Eu já estava apavorada com medo dela entrar em decomposição lá mesmo”, lembra.

A advogada foi na manhã desta segunda-feira à 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes) entregar uma petição à delegada para intimar todos os médicos e diretores envolvidos no caso.

O que diz o Hospital Miguel Couto

A direção do Hospital Municipal Miguel Couto informou que a paciente chegou à unidade com quadro de politraumatismo, extremamente grave e instável, em Glasgow 3. A Escala Glasgow é uma ferramenta de monitorização neurológica usada em todo o mundo para medir a gravidade de uma lesão no cérebro, e varia de 3 a 15. “Ou seja, o quadro da Sra Ilza ao dar entrada na unidade, em Glasgow 3, era extremamente grave e instável, com prognóstico difícil”.

Ainda segundo o hospital, diversos médicos de várias especialidades participaram do atendimento: cirurgião geral, neurocirurgião, cirurgião bucomaxilofacial, cirurgião ortopedista, além de médicos auxiliares de suas equipes. “Como o quadro estava muito instável, a paciente não tinha condições de passar por uma cirurgia naquele momento, e os médicos trabalharam na tentativa de estabilização do quadro, para que ela tivesse mais condições de resistir a um procedimento cirúrgico. Infelizmente, devido à extrema gravidade, os médicos não conseguiram reverter o quadro. Todos os médicos especialistas que participaram do atendimento e tentativa de salvar a vida da Sra. Ilza assinam o prontuário, com as informações de evolução referentes a suas especialidades”.

O hospital diz ainda que, como estabelece a legislação em casos de mortes por causa externa e violenta, o corpo da paciente foi enviado para necropsia no Instituto Médico Legal, que nessas situações é o responsável pela indicação da causa da morte e emissão da declaração de óbito.

Sobre o desaparecimento do exame, a unidade não informou sobre a realização da tomografia, mas disse que a família poderia solicitar a cópia do prontuário da paciente, com os laudos dos exames realizados (incluindo os de imagem), no setor de Documentação Médica do hospital. “As imagens dos exames são preservadas por um tempo restrito e posteriormente apagadas, não tendo como, passado este período, serem recuperadas”, finalizou.

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