DIA DOS PAIS – Por Lourenço Braga

O domingo que está a chegar, o segundo de agosto, é reservado para festejar os que habitam este plano da vida com a missão de contribuir para a geração de novos seres humanos e, quando responsáveis, ajudar a conduzi-los nos caminhos nem sempre fáceis, às vezes preocupantes e árduos, da convivência social e do crescimento espiritual.

E assim como em maio festejam-se as mães, herdeiras de Maria na missão de trazer, de encaminhar e de amar, assim também se dá no oitavo mês do ano com os pais, os de sangue e os do coração, como José segundo as Escrituras, muitos que são a um tempo o conjunto dessas duas almas e que realizam com o mesmo aprumo a difícil arte de educar.

Minhas primeiras palavras, de afeto e de respeito, faço-as dirigidas aos que, por circunstâncias várias de revezes certamente não desejados, muitas vezes até procurados, habitam as ruas, mesmo os infernos modernos das Cracolândias, entregues à solidão do abandono, ao escuro do dia que com a noite se confunde registrando o vazio do nada, e que, certamente, não terão o beijo na fronte, o abraço do carinho, a palavra amiga dos que já nem sabe.

E ao lembrar de cada um dos que sobrevivem sob as marquises ou os viadutos, tendo papelão ou jornal como lençol da cama dura e fria da calçada, elevo meu pensamento ao Criador pedindo piedade e implorando que Sua benção possa ser o afago que não receberão dos humanos, mesmo filhos ou filhas, e que a eles conceda, como presente, o perdão de que necessitarem.

E se de abandono falo, dirijo-me aos que se tornaram, por envelhecidos, pesos para filhos, filhas, noras e genros que, para deixarem de cumprir o que seria no mínimo dever de retribuição, terminaram por fazê-los encerrados em casas de repouso, ou asilos como sempre foram chamados esses lugares que se incumbem do trato da saúde e da convivência dos que, mercê da vontade divina, chegam à dita melhor idade.

Muitos serão, por certo, os que não receberão afeto que não seja meramente profissional, nascido no bom espírito dos que dedicam suas vidas a deles cuidar, em processo de substituição do amor que terá falido no lar de origem. Ali também o dia transcorrerá em lento marasmo e os ponteiros do tempo parecerão arrastar-se com preguiça de ir adiante. E em muitos dos peitos haverá corações combalidos, adoecidos de saudade, guardando dores inconfessadas que a ingratidão planta no mais fundo da alma.

Talvez para justificar a exceção à regra, haverá os que receberão filhos e filhas, quase sempre apressados, que pouco será o tempo disponível para o abraço e que quase nada terão a dizer, talvez para não mentir. Se houver acalento, acenderão luzes nos corações entristecidos e os instantes, mesmo poucos, serão guardados como relíquias do espírito. A pressa em sair parecerá misturar-se ao desapego de sentimento que conduziu a tal realidade e pode ser comparado à culpa pelo desamor.

Alguns outros, não saberia dizer a proporção, não verão nem mesmo a pressa e seus corações chorarão lágrimas de desencanto, novo ou repetido, e se irão recolher ao mutismo que faz indiferente qualquer festinha do lugar.

Assim é, igualmente, com os que vivem a solidão de seus próprios asilos, prisões em que se transformaram casas até grandes que já foram palco de muitas festas que realizaram por datas importantes e onde, como se dá nos demais dias do ano, não terão o encontro e uns poucos ouvirão votos de parabéns ditos apressadamente ao telefone, ou postos em curtas mensagens escritas, a talvez dizer que exista a profissão de filho ou de filha, a desincumbirem-se de obrigação pouco agradável. Estarão a dividir, eventualmente, como presente a tristeza do silêncio.

Uns e outros, entretanto, permanecerão convictos da condição de pais, salvo os atingidos pela demência dolorosa de doença maldita, estes que, estranhamente, não sofrerão o dissabor da decepção de não-ter.

Aqui deste canto do mundo, olhos na máquina onde registro pensamentos, proclamo a tristeza da saudade que não supero há 38 anos, desde quando, num 10 de setembro, aquele de quem herdei o nome, pai por excelência, mestre no ensinar e no educar, amigo verdadeiro e leal, foi chamado para missões outras em planos que creio haver, cumprida a que aqui lhe competia por 97 anos, mais de meio século ao lado de sua Sebastiana, parceira, confidente e com ele construtora do amor verdadeiro.

Os beijos que lhe darei, em festa por seu dia, terão forma de oração, de preces verdadeiras de agradecimento ao Criador por me haver concedido o privilégio inenarrável de ter Lourenço, o velho Braga como chamamos em tom de carinho, a exercer com segurança a difícil arte de condutor e de mestre que ensinava sempre com exemplos, brotados todos da simplicidade e revestidos inevitavelmente de valores como os da probidade, da honestidade, da humildade e do amor ao próximo, de que jamais se afastou.

Severo sem nunca ser rude, dizia não às vezes só com o olhar de reprovação e não deixava escapar oportunidade qualquer de indicar caminhos que os filhos podiam escolher. Aluno da vida, aprendiz do mundo que teve de conhecer sozinho desde muito cedo, soube livrar-se de descaminhos e em todos os trabalhos que realizou, na marinha mercante, na política, no sindicalismo, no jornalismo, jamais se submeteu a desejos ímprobos de poderosos, mantendo-se digno e honrado até o fim.

O que plantou no seio da família que criou foi boa semeadura e se tanto não soube eu recolher terá sido por fragilidade pessoal na colheita, mas sabemos, ele e eu, que tento honrar tudo quanto me ensinou.

No domingo, terei com ele encontro espiritual de puro amor e estarei a rogar ao Deus de nossas vidas que o proteja onde estiver, iluminando seus caminhos e suas caminhadas e a ele concedendo a paz.

Aos pais, o meu respeito!

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