Dentro em dez dias, a comunidade cristã estará a festejar, por antiga convenção, a vinda ao mundo dos humanos de Jesus, o Cristo primogênito de Deus, entregue a Maria por obra e graça do divino Espírito Santo, com a missão de ensinar a paz e plantar o amor.
As igrejas, os templos todos, desde os mais ricos de Roma a capelinhas de bancos toscos e chão batido espalhadas por tantos nordestes deste planeta, estarão em cultos de festas, com abraços e perdões, cânticos e orações, e os que ali forem irão a pedir as bençãos do Menino cuja chegada é festejada mais de dois mil anos passados.
Assim também se dará em muitos lares que parecem transformar-se em pequenas ermidas, com familiares e amigos em confraternização que pode incluir até troca de presentes, moda que certamente interessa ao giro da economia, com movimento farto do comércio. Em muitos recantos haverá árvores iluminadas, mesas postas, algumas ricas, outras nem tanto, com frango em lugar de peru, filé ou bacalhau, aquelas com bom vinho, importado ou nacional, e champagne, este substituído por espumante, à moda de poire, cidra, ou por simples refrigerantes.
Por que o hábito? Talvez porque assim se faz para festejar a alegria de um aniversário, um batizado de quem é ainda calouro no mundo de nós, o casamento, uma declaração de convivência, enfim. Mas aqui deste canto ouso pensar que no Natal isto precisa ter o valor verdadeiro de reproduzir a Ceia em que Jesus reuniu os apóstolos para, dividindo o pão e o vinho que abençoou, celebrar a vida. Isto mesmo: anunciando a morte próxima, Cristo proclamou sua permanência no mundo, vivo e para viver entre os que nele creem.
A ceia do Natal há de servir, penso, para reproduzir a Ceia Santa, encontro de paz, de enlevo espiritual, de fortalecimento da crença, de regozijo pela existência do Amor. Se assim não for, será mera festa de aniversário e, pior, onde os presentes tenham valor maior que os abraços e que a alegria pela vida.
Porque assim penso, considero atual o poema que republico agora, em que descrevo o que me vai à alma neste tempo da cristandade.
NOITE DE NATAL
Que Natal comemorar?
O da troca de presentes entre amigos e parentes
diante de mesa farta, com frutas da estação,
algumas até importadas, desde logo descartadas,
com vinho, cerveja e champanhe, ainda nem sempre acompanhe
uma festa no coração?
Para a criança o brinquedo, o mais caro que houver,
que nem sirva pra brincar, seja mesmo pra guardar,
mas que vale ostentação, em disputa nem bem velada
com quem jamais vai ganhar.
Ou o Natal da sinaleira,
do menino sem eira nem beira, na rua do desencanto,
que aprende na esmola que nem precisa ir pra escola,
se o que lhe resta é pranto,
se a vida basta pra ensinar
que nem é possível sonhar?
E muitos passando ao largo, como a desconhecer
que ali não há presente, que a vida quase ausente
só lhes concede não morrer.
É tanta a indiferença que nem se permitem ver
em cada olhar às vezes puro
um pedido, quase crença
de sonhar com o futuro.
Ou o Natal do idoso
que, esquecido e sozinho, em casa, asilo, hospital,
entrega-se às próprias lembranças, mesmo que lhe façam mal,
do tempo que também foi Noel,
de quando abraços trocou, até presentes recebeu,
mas vê que tudo passou
agora nem mesmo o papel de presente lhe restou?
Se há visita, nem demora,
porque tem de ir embora para a vida lá de fora,
sem sequer interessar se a saudade vai ficar
machucando o coração
se o que de fato vai sobrar
é só o natal do não.
Felizmente ainda há, dentre os muitos que festejam,
os que lembram da razão do que devem comemorar
e homenageiam o Menino
da manjedoura pequenino que veio para ficar.
Fazem festa de bonança porque constroem a esperança
em Natal de amor e luz
bendizendo e festejando Jesus.
FELIZ NATAL!