COP30 restringe o consumo de açaí dentro do evento devido a precauções sanitárias contra a doença de Chagas

"Até lá o paraense pode consumir a vontade, vai entender😂"

Doença pode causar desde febre prolongada até complicações cardíacas severas; subida está associada ao açai e outros alimentos | Foto: Reprodução: Internet

O açaí não poderá ser vendido nos restaurantes e quiosques durante a COP30, que ocorre em Belém em novembro. A restrição está no edital da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) com as regras para a seleção de operadores, divulgado nesta semana.

O documento, antecipado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. O motivo citado é o “risco de contaminação por Trypanosoma cruzi (causador da doença de Chagas), se não for pasteurizado”. Porém, todos os tipos estão proibidos na conferência.

O diagnóstico, também chamado de Tripanossomíase americana, é uma infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, que pode ser disseminado para humanos principalmente por meio do contato com fezes de triatomíneos infectados, insetos conhecidos como barbeiro, ou pela ingestão de alimentos contaminados.

A ingestão de sangue pelo barbeiro ao picar um humano estimula a defecação do inseto, por isso costuma-se dizer que a picada causa a doença. No entanto, essa via tem deixado de ser a principal forma de transmissão no Brasil, explicou o professor da Universidade Federal do Acre (Ufac) Odilson Silvestre, que publicou um estudo sobre o tema em 2020.

“No passado era mais a picada do mosquito, agora é mais por ingestão de alimento contaminado, em especial, o açaí. Mas também, cana de açúcar, sucos e outros alimentos”, afirmou Silvestre em comunicado divulgado à época.

O pesquisador, junto com um grupo de cientistas de 11 instituições, entre universidades brasileiras e secretarias de Saúde, revisou 41 trabalhos conduzidos sobre o tema entre 1968 e 2018, que englobaram 2.470 casos de doença de Chagas e 97 óbitos.

A conclusão, publicada na revista científica Clinical Infectious Diseases, ligada à Universidade de Oxford, apontou que a maioria dos casos da doença de Chagas ocorrem na Amazônia, em especial no Pará, e que, de fato, o açaí era a principal causa dessa transmissão.

“Atualmente ainda temos isso (disseminação) presente, inclusive no Acre; mas o principal estado com a doença é o Pará. É importante que as pessoas entendam que o açaí pode conter sim o ‘Trypanosoma cruzi’, o protozoário que causa a doença. Há uma necessidade de o governo atuar nisso, treinando os vendedores de açaí para que eles façam o processamento adequado com um branqueamento”, defendeu Silvestre na época.

No processo de branqueamento, o fruto do açaí é aquecido a 80ºC durante 10 segundos. Em seguida, é resfriado antes de ser levado para os equipamentos que dão continuidade ao processamento. “Além de passar por outros produtos de higienização. Isso tira toda a contaminação e mata o ‘Trypanosoma cruzi’, tornando o açaí seguro para consumo”, explicou o professor.

Sobre a letalidade dos casos analisados, o grupo de pesquisadores estimou que a taxa é de 1,0%, sendo que ela diminuiu ao longo dos anos. Segundo informações do Ministério da Saúde, na fase aguda, os principais sintomas da doença de Chagas são:

  • Febre prolongada (mais de 7 dias);
  • Dor de cabeça;
  • Fraqueza intensa;
  • Inchaço no rosto e pernas.
  • No caso de picada do barbeiro, pode aparecer uma lesão semelhante a um furúnculo no local

Quando o paciente não recebe o tratamento adequado no momento agudo, a doença se desenvolve para a forma crônica. Nesses casos, o paciente pode desenvolver, mesmo depois de anos, problemas cardíacos, como insuficiência cardíaca, e digestivos, como megacólon e megaesôfago.

O tratamento envolve o uso do remédio benznidazol, fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde no Brasil e deve ser realizado imediatamente nos pacientes diagnosticados na fase aguda da doença. Nos casos crônicos, a indicação do medicamento pode variar. Em alguns casos é necessária uma alternativa, chamada de nifurtimox, que também é ofertada pela pasta da Saúde.

Nota de repúdio

Recebemos com surpresa e incredulidade alguns itens constantes do edital da organização de estados iberoamericanos – OEI, sobre a seleção dos operadores de restaurantes e quiosques para fornecimento de produtos alimentícios nas zonas azul e verde da COP30.

Nossa indignação decorre da proibição de alguns produtos típicos e expressivos da culinária e cultura gastronômica paraense, conhecidos mundialmente, como o açaí, o tucupi e a maniçoba, caracterizando completo desconhecimento e preconceito cultural com a região amazônica.

É totalmente compreensível a preocupação com a segurança alimentar dos visitantes. Entretanto, vale ressaltar que esses produtos têm origem natural, exatamente da diversidade dos ingredientes fornecidos pela Floresta Amazônica, um dos temas importantes e proeminentes da COP30. É importante pontuar que no Pará existem dezenas de fornecedores locais que seguem normas alimentares nacionais e internacionais, sendo exportadores para inúmeros países, incluindo Estados Unidos, Japão e União Europeia.

A “proibição” é ainda mais surpreendente porque atenta contra princípios contidos na própria Carta das Nações Unidas, que se propõe a “promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla”. Pela decisão ora preconizada, milhares de pequenos produtores amazônicos serão excluídos do evento.

Repudiamos toda e qualquer tentativa de desqualificar a utilização de ingredientes regionais como açaí, tucupi e maniçoba nos espaços da COP30. Ressalte-se que os órgãos reguladores dos governos estadual e municipal já fiscalizam e certificam os produtores desses ingredientes, inclusive com instruções normativas específicas e visitas periódicas, garantindo a qualidade e a segurança alimentar.

Nossa gastronomia tem origem ancestral e indígena e os alimentos são consumidos, diariamente, por milhares de pessoas na Amazônia, no Brasil e no mundo. O mercado regional dispõe de produtos certificados e de procedência comprovada, que são símbolos da nossa cultura alimentar e contam com mecanismos oficiais de controle sanitário. É inadmissível que se propague desinformação sobre ingredientes que representam a identidade amazônica.

Deste modo, fica claro que a justificativa de segurança de alimentos não se sustenta. Por tudo isso, as entidades signatárias desta nota, enquanto instituições que valorizam e estimulam a cadeia produtiva do alimento amazônico, repudiam essa postura culturalmente preconceituosa e esperam que o bom senso prevaleça e a medida seja revertida.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui