Foi finalizada nesta segunda-feira, 10 de novembro, a Carta da Aliança dos Povos Guardiões da Amazônia, construída durante a expedição “Banzeiro da Esperança”, que percorreu o trajeto de Manaus a Belém, durante a COP30. A carta reúne as vozes de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e agricultores familiares, que reafirmam sua condição de protagonistas na luta pela vida, pela floresta e por justiça climática.
O documento nasce do encontro de saberes e da vivência direta das comunidades que sentem, na pele, os impactos das mudanças climáticas: secas mais longas, cheias mais intensas, perda da biodiversidade, insegurança alimentar e ameaças aos territórios. Mais do que um manifesto, a carta é um chamado global à ação, pedindo que governos e instituições reconheçam que os povos da floresta são a resposta à crise planetária.
“A floresta em pé é resultado do trabalho, da sabedoria e da resistência dos povos que nela vivem”, afirma o texto da Carta, consolida em cinco grandes eixos de reivindicação, que traduzem a visão de futuro construída coletivamente durante o Banzeiro da Esperança:
Reconhecimento e garantia dos territórios
A carta defende a demarcação das terras indígenas, a regularização dos territórios quilombolas e ribeirinhos e o reconhecimento das unidades de conservação de uso sustentável como pilares fundamentais da política climática. Sem território, afirmam os povos, “não há floresta em pé, não há vida e nem futuro possível”
Gestão e financiamento direto na base
As comunidades pedem que os recursos climáticos sejam geridos diretamente pelos povos tradicionais, com autonomia, transparência e descentralização. Essa mudança de paradigma busca romper com a burocracia e fortalecer a gestão local, permitindo que os recursos cheguem a quem realmente protege a floresta.
Protagonismo feminino e equidade de gênero
As mulheres amazônicas são reconhecidas como guardiãs da regeneração da vida. A carta reivindica políticas de fomento, formação e liderança feminina, com ênfase na sociobioeconomia e na preservação cultural e espiritual dos territórios.
Valorização dos saberes ancestrais
Os conhecimentos tradicionais são apresentados como ciência viva, que deve orientar políticas públicas e inspirar novas formas de convivência com a natureza. O documento exige o reconhecimento oficial dos mestres e mestras de saber tradicional como “mestres de notório saber”, detentores de conhecimentos capazes de “adiar o fim do mundo”

Protagonismo das juventudes e justiça climática
Jovens indígenas, quilombolas e ribeirinhos se levantam como continuadores dos saberes ancestrais e reivindicam educação pública e específica, inserção no mercado de trabalho e proteção contra a violência e a discriminação. O texto ainda denuncia o racismo estrutural e ambiental como uma das raízes da desigualdade, afirmando que sem justiça racial, não haverá justiça climática
Para Estélio Munduruku, da Terra Indígena Kwatá-Laranjal, o processo de elaboração da carta foi um momento de união e empoderamento: “A carta foi construída em coletivo, com indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Cada palavra foi escolhida com muito cuidado, para que o presidente da COP sinta o pedido de reconhecimento e valorização dos povos da Amazônia. É um marco histórico para nós.”
A quilombola Joélia Lobato, dos Territórios de São Raimundo do Paraíso, no Amapá, reforça o caráter afetivo e político do documento: “A carta traz as nossas dores e esperanças. É uma carta de todos os povos, que fala de aliança, de reconhecimento e de respeito. Cada palavra escrita foi com o coração, traduzindo o que vivemos em nossos territórios.”
O Banzeiro da Esperança é uma articulação interinstitucional que visa mobilizar a sociedade para a maior conferência climática do planeta, realizada em Belém (PA). O projeto é apresentado por meio da Lei de Incentivo à Cultura e Sabesp, com realização da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Virada Sustentável e Ministério da Cultura. Conta com o patrocínio da Heineken SPIN, Vale e WEG, e com o apoio da Bemol, Ecosia, Edenred, Instituto Itaúsa e Suzano. O projeto também tem parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Rede Conexão Povos da Floresta e Ministério dos Povos Indígenas (MPI). A Rede Amazônica é parceira de mídia do projeto.
Um símbolo da esperança que move o Banzeiro
O processo de construção da carta acompanhou toda a jornada do Banzeiro da Esperança, que percorreu o Rio Amazonas até Belém, levando representantes de dezenas de comunidades. Durante o percurso, rodas de diálogo, assembleias e manifestações culturais deram forma ao texto final, que será entregue na COP30, como uma mensagem direta aos líderes mundiais. Mais do que um documento, a Carta da Amazônia é um símbolo da força coletiva e da espiritualidade dos povos que mantêm viva a maior floresta tropical do planeta.
Da Comunidade Costa da Ilha, o presidente da AMURMAM, Carlos Gonçalves, destaca a força da mobilização: “Nós visitamos todas as comunidades, ouvimos crianças, jovens e adultos. O mais importante é que agora estamos sendo ouvidos. A carta mostra o que vivemos e o que queremos: políticas públicas justas e o direito de sonhar com um futuro melhor. Tudo isso é histórico.”
“A Carta da Amazônia é fruto de um processo formativo conduzido por lideranças indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Durante essa formação, essas lideranças realizaram diversas reuniões locais em suas comunidades, com o objetivo de identificar as principais causas e demandas relacionadas às mudanças climáticas que vêm afetando seus territórios ao longo do tempo. A partir desse diagnóstico coletivo, foram elaborados planos de adaptação às mudanças climáticas, que culminaram na chegada ao Banzeiro da Esperança. Ao longo do trajeto, aconteceram várias rodas de conversa, escutas e diálogos, que consolidaram o processo de construção da Carta da Floresta — um documento que traduz as vozes e esperanças dos povos da Amazônia.”, disse Enoque Ventura, supervisor de projetos da FAS.





