O debate em torno da possível aliança do PL-Ceará (PL-CE) com Ciro Gomes ilustra uma máxima atemporal da política: a necessidade de alianças, mesmo que sejam azedas, inconvenientes ou ideologicamente dissonantes, para se alcançar um objetivo maior. A questão central é se o partido deve priorizar a pureza ideológica ou o pragmatismo estratégico.
O posicionamento de Michelle Bolsonaro
Ao se apegar a uma postura de intransigência ideológica e moral, Michelle Bolsonaro corre o risco de cometer o mesmo equívoco de sua ala mais purista: priorizar o discurso em detrimento da vitória eleitoral.
A estratégia que levou Jair Bolsonaro a se aliar ao Centrão mostra que o sucesso na política (mesmo que temporário ou controverso) exige a capacidade de aceitar alianças “cruéis”, dissonantes ou até mesmo indigestas para alcançar um objetivo maior. A insistência de Michelle em barrar o acordo cearense, em nome de uma coerência ideológica, pode custar ao PL e à direita a chance de vencer o PT na região, provando que o fanatismo, quando excessivo, pode ser um obstáculo mais destrutivo do que os próprios adversários.
A visão estratégica do PL-CE
O deputado federal e presidente estadual da sigla, André Fernandes, é o principal defensor do acordo e sustenta uma visão pragmática e estratégica.
Fernandes afirma que a costura política não foi unilateral, mas teve o aval do próprio Jair Bolsonaro em maio (antes de sua prisão), além do respaldo da cúpula nacional do PL.
Em suma, o caso ressalta que, na política, a busca por poder e a estratégia de enfrentamento ao adversário principal (no caso, o PT) muitas vezes superam as desavenças e afinidades ideológicas. Alianças “azêdas” tornam-se, assim, uma ferramenta indispensável do jogo eleitoral.
Paralelo com o Governo Bolsonaro (2019-2022)
A postura de Michelle Bolsonaro pode ser analisada em contraste com o pragmatismo que marcou a gestão de seu esposo.
Um dos maiores desvios do discurso original de Bolsonaro — que prometia governar sem a “velha política” — foi a crescente dependência do Centrão, um bloco informal de partidos no Congresso conhecido por negociar apoio em troca de cargos e emendas parlamentares.
A aliança com o Centrão, embora garantisse a governabilidade e a proteção contra o impeachment, levou à nomeação de figuras menos técnicas para ministérios e órgãos-chave, muitas vezes em troca de apoio político.
Isso foi visto como uma capitulação ao mesmo sistema que ele criticava, mas que representou o ápice do pragmatismo na gestão, trocando a pureza ideológica inicial pela sobrevivência política e pela capacidade de aprovar projetos.
O governo foi marcado por uma retórica de constante confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional.
Em vez de buscar a pacificação e a construção de pontes com os demais Poderes, o presidente frequentemente endossou e participou de manifestações que pediam o fechamento ou a intervenção nessas instituições.
Essa estratégia aprofundou a polarização política e criou uma instabilidade institucional constante, desviando o foco da agenda de reformas e da administração pública.
Podemos chegar à conclusão de que Michelle Bolsonaro pode estar cometendo o mesmo erro estratégico que marcou o governo de seu esposo — a dificuldade em saber lidar com as indiferenças políticas em nome de um objetivo maior.
Sua luta fanática por uma política moralmente “certinha”, sem admitir alianças cruéis e muitas vezes necessárias, pode, de fato, destruir o que resta do PL no Ceará ao se precipitar na crítica em vez de buscar o diálogo e a estratégia, enfraquecendo o partido na luta contra o sistema.





