A democracia brasileira vive um paradoxo perigoso. Enquanto a Constituição de 1988 prega a independência e harmonia entre os Poderes, o que se observa na prática é uma hegemonia crescente do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre um Congresso Nacional que parece ter esquecido sua própria força. Mais do que uma simples “supremocracia”, o que assistimos hoje é o resultado direto de uma crônica falta de coragem das lideranças legislativas frente às arbitrariedades judiciais.
O escudo das Lideranças
O diagnóstico é claro: o STF avançou porque encontrou o caminho livre. Esse avanço foi pavimentado pela inércia estratégica dos presidentes das Casas. Ao longo dos últimos anos, vimos decisões monocráticas anularem leis aprovadas por ampla maioria e operações policiais invadirem gabinetes parlamentares sem que houvesse uma resposta institucional à altura.
A omissão dos presidentes não é apenas uma falha administrativa, é uma escolha política. Ao priorizarem acordos de governabilidade e a manutenção de suas próprias bases de poder — muitas vezes sob o receio de investigações que tramitam na própria Corte — as lideranças do Congresso transformaram o Legislativo em um coadjuvante de luxo. Onde deveria haver o embate democrático e a defesa das prerrogativas, encontramos o silêncio obsequioso.
O cemitério de pedidos de Impeachment
O símbolo máximo dessa submissão é o represamento sistemático dos pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. Somente entre 2021 e o final de 2025, o Senado acumulou dezenas de representações ativas — o número já ultrapassa a marca de 70 pedidos engavetados. O ministro Alexandre de Moraes, isoladamente, concentra quase metade desses processos, seguido por nomes como Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
O arquivamento ou o “esquecimento” dessas peças nas gavetas de Rodrigo Pacheco e, sucessivamente, de Davi Alcolumbre, retira do Senado sua única ferramenta constitucional de freio e contrapeso. Ao se recusarem a pautar até mesmo a admissibilidade desses pedidos, sob o argumento de “preservar a estabilidade”, os presidentes da Casa acabam por blindar o Judiciário de qualquer fiscalização, tornando os ministros da Suprema Corte autoridades virtualmente intocáveis.
A urgência da reação
Não se trata de pregar um conflito entre Poderes, mas de exigir o restabelecimento do equilíbrio. O Congresso possui as ferramentas: pode legislar para limitar decisões monocráticas e pode, acima de tudo, dizer “não” às interferências em seus processos internos.
Contudo, para que isso ocorra, é preciso que as lideranças abandonem a zona de conforto da conveniência pessoal. A história não será benevolente com aqueles que, detendo o mandato popular para legislar e fiscalizar, preferiram a omissão segura à coragem necessária. A submissão institucional que vivemos hoje é o preço que o Brasil paga pela covardia de quem deveria, por dever de fício, proteger a soberania do voto e a dignidade do Parlamento.





