No ano em que Chico Mendes completaria 80 anos de vida, o Prêmio Chico Mendes de Resistência reconheceu, pela primeira vez, o poder do ativismo digital como ferramenta de transformação social e proteção dos territórios amazônicos, mantendo vivo o legado que continua a inspirar novas gerações. O paraense tupinambá, José Kaeté, mais conhecido como Zé na Rede, ativista e comunicador amazônico, foi o primeiro premiado na recém-criada categoria Ativismo nas Redes, em uma cerimônia marcada pela memória viva do líder seringueiro e pela luta em defesa da Amazônia, no dia 15 de dezembro, em Xapuri, Acre.
“Para mim, é uma responsabilidade muito grande ser o primeiro a receber o prêmio da categoria Ativismo nas Redes, principalmente por estar aqui em Xapuri e no dia em que Chico Mendes celebraria 80 anos de idade. Acho que, se a internet está aí, a gente precisa ocupar ela também para falar sobre a Amazônia, para mostrar as diferentes realidades da região”, explica José, que carrega consigo a força de sua comunidade, da região Norte e das pessoas amazônidas.
“O prêmio não é só meu. Ele é de toda a Amazônia. É um reconhecimento que aumenta a autoestima de quem, como eu, nunca viu pessoas parecidas ocupando esses lugares”, completa.
A nova categoria visa destacar ativistas que utilizam o poder das plataformas digitais para mobilizar consciências e ampliar o impacto das causas socioambientais. Foi a partir da inquietação com a invisibilidade nortista, quando deixou sua casa, que José percebeu que o que era cotidiano para ele – como comer peixe com farinha, falar gírias regionais e conviver com águas avermelhadas, escuras ou barrentas – não era compartilhado pelo restante do país.
Com raízes em diferentes interiores do nordeste do Pará, ele redescobriu sua origem ao deixar o Norte para estudar no Rio de Janeiro. Longe de casa, percebeu o quanto sua identidade era singular. “Entendi que precisava comunicar o que somos. Mostrar as diferentes Amazônias para que nós mesmos e os outros nos enxerguem”, conta. Mais tarde, ao estudar nos Estados Unidos, ele vivenciou outro deslocamento. “Ser brasileiro não explicava tudo. Eu sou amazônico, e isso tem um significado maior.”
Assim nasceu Zé na Rede, em 2016, com uma narrativa amazônica feita de rostos, cultura, vozes e luta pela preservação da floresta e das pessoas que nela vivem. Para ele, as redes sociais são uma ferramenta essencial. “Proteger a Amazônia começa por comunicá-la. Mostrar nossas histórias, nossas culturas e nossas realidades é uma forma de resistência. Porque só se protege aquilo que se conhece e se ama.”
José reforça que o ativismo não deve se limitar às telas, mas acredita que a internet é uma ponte poderosa para conectar lutas locais a públicos distantes. “O que acontece na base, eu levo para quem está longe. As redes sociais são esse canal, esse lugar onde conseguimos contar histórias que ninguém está vendo”, explica o ativista, que também atua presencialmente junto às comunidades amazônicas.
“Ver pessoas que se parecem comigo e carregam a mesma história conquistando espaço é algo transformador”, afirma José. Em seu canal e nas redes sociais, ele se consolida como um nome importante na luta socioambiental, reafirmando o compromisso de comunicar a Amazônia e inspirar outras pessoas a buscarem suas raízes e se unirem pela preservação dos territórios na Amazônia Legal.
Comunicar o Norte – “Eu me tornei comunicador ao longo do processo. Aprendi a falar de assuntos complexos de forma simples, para que qualquer pessoa entenda. Isso é o que faz a mensagem ser efetiva”, afirma José. Quando o assunto é comunicar a Amazônia, ele busca apresentar a região longe dos clichês exóticos e das imagens idealizadas.
“Eu falo que ocupo a internet como uma biblioteca de imagens. Trazendo rios barrentos, rostos indígenas, realidades que não são aquelas ‘bonitas para publicidade’, mas que são a Amazônia real”, destaca.
Ao mostrar a Amazônia de dentro para fora, José busca repensar as relações individuais e coletivas, dentro dos territórios e com as pessoas que neles vivem. Essa jornada o levou a criar estratégias de visibilidade fundamentais para ampliar a luta.
Vem do Norte – Com o propósito de ecoar vozes amazônicas nacional e internacionalmente, a Vem do Norte, primeira agência de criadores de conteúdo da Região Norte, amplia as pautas de José, que integra o portfólio da agência. Frente à invisibilidade histórica, a união entre ativistas nortistas se fortalece como uma estratégia essencial.
“Somos um todo, e cada pedaço se completa. Contar essas histórias é lembrar que a Amazônia não é só uma árvore ou um produto, mas um povo, uma cultura viva que resiste”, reflete José.
Para Victor Israel, fundador da agência, o trabalho é coletivo e busca mudanças significativas: “Acho que, se a gente se fortalecer, conseguimos agir para evitar o fim do mundo. O nosso propósito é levar a voz dessas pessoas para mais lugares, criar conexões e fortalecer esse ecossistema. Um apoiando o outro, compartilhando, cocriando e consumindo o que é feito aqui. Mudar a nossa realidade começa por vivenciarmos tudo o que está ao nosso redor”, a agência também é gerida pelos sócios, Camilla Diniz, Luiz Neto e André Buiati.
Semana Chico Mendes 2024 – A Semana Chico Mendes – 80 anos teve início no dia 15 de dezembro, aniversário do ativista ambiental, e segue até o dia 22, que foi o dia em que o seringueiro foi assassinado. A programação inclui o Fórum da Educação do Campo, das Águas e Florestas, a Conferência Aliança das Amazônias, além de atividades como caminhadas, oficinas, lançamentos de documentários e homenagens ao legado de Chico Mendes.
O Comitê Chico Mendes, responsável pela premiação, foi fundado em 22 de dezembro de 1988, data do assassinato do líder seringueiro. A organização nasceu da mobilização de mais de 30 entidades, amigos e companheiros de luta, que transformaram o luto em resistência. Desde então, o comitê mantém viva a memória e a causa pela qual Chico Mendes deu sua vida, defendendo a Amazônia e os povos que nela vivem.