“Picassianas Divas de Itamaracá”: A Arte como instrumento de humanização

A exposição do artista plástico Jandr Reis que será lançada no dia 12 de março no Mercado de Origem da Amazônia (MOA) pretende dar voz às “trabalhadoras do sexo” da rua Itamaracá. O trabalho faz referência a “Les Demoiselles d’Avignon” uma das pinturas mais importantes de Picasso

“Imaginar um encontro entre Jandr Reis e Pablo Picasso na rua Itamaracá, zona centro-sul de Manaus-AM, seria como montar uma miríade de quebra-cabeças, com imagens distintas que separam os artistas e, ao mesmo tempo, conectam o fazer artístico de Jandr Reis às obras de Picasso”. A afirmação de autoria da curadora artística Cléia Viana nos leva a refletir sobre a nova exposição do artista, “Picassianas Divas de Itamaracá”, que será inaugurada no dia 12 de março, às 19h, no Mercado de Origem da Amazônia (MOA). Localizado no histórico Complexo Booth Line (Em frente ao terminal da igreja da Matriz), espaço considerado um símbolo importante da economia amazonense do ciclo da borracha que se destaca como marco cultural da região.

Com visitas abertas ao público das 8h às 17h, no período de 13 a 27 de março, “Picassianas Divas de Itamaracá” é uma oportunidade única de apreciar a arte de Jandr Reis que por meio de suas pinturas desta mostra dá voz às trabalhadoras sexuais da rua Itamaracá. “Nesse contexto, esta exposição serve como instrumento de humanização dessa discussão e, essencialmente, faz uma reflexão sobre o tema, revelando que essas mulheres não são meramente figuras invisíveis e anônimas, mas mulheres com histórias de vida complexas que, em grande parte, distanciaram-se dos sonhos acalentados”, afirma Cléia Viana, responsável pela curadoria da exibição artística.

Para Cléia Viana, a exposição fala sobre a construção de um novo olhar, quando Jandr Reis oferece a arte como suporte de visibilidade, emprestando sua voz às trabalhadoras sexuais daquela área. “Na rua Itamaracá, que significa ‘pedra que canta’ na língua Tupi, as atividades do trabalho sexual seguem no compasso do tempo, a reboque das complexas dinâmicas que incluem a desigualdade social, a ausência de oportunidades formais de emprego, o acesso limitado às políticas públicas, além de algumas escolhas pessoais. Assim, as ‘Divas’ de Jandr Reis não têm vida fácil; seus corpos nus evidenciam abraços que, com o mesmo sentimento das divas de Itamaracá, comprimem e fragmentam a figura humana”, analisa a curadora.

Ao trazer à tona essa narrativa, Reis rompe barreiras sociais e amplia a visibilidade das mulheres que convivem com essa realidade. “A arte deve ser um suporte de visibilidade e amplificação das vozes dessas mulheres, as ‘trabalhadoras do sexo’”, cita o artista. Segundo Jandr Reis, “As Picassianas” já são pintadas por ele há 20 anos, e, depois de estudar e viajar pelo mundo, passando por exposições e visitando museus chegou a “Les Demoiselles d’Avignon”, quando sentiu a necessidade e inspiração para desenvolver a coletânea de quadros. “ ‘Les Demoiselles d’Avignon’ é considerada a obra que foi o marco inicial do Cubismo e uma das pinturas mais importantes de Picasso que revolucionou o mundo artístico. E ele buscou inspiração na Carrer d’Avinyó, famosa pelos seus bordéis e que apesar do nome Francês era uma rua localizada em Barcelona”, comenta.

O artista explica que a intenção é mergulhar nas sonoridades e nos contextos históricos de duas realidades: a rua D’Avignon, em Barcelona, um espaço marcado pela presença das prostitutas e que inspirou Picasso, e a Itamaracá, uma rua que traz as mesmas características e por sua vez, se entrelaça com o cotidiano do passado, do presente e quem sabe do futuro da cidade de Manaus. “Quero dar voz a essas mulheres, que muitas vezes são vistas apenas como sombras na história, mas que desempenham um papel fundamental na narrativa cultural e social local”, declara.

Jandr Reis diz que assim como Picasso retratou de forma crua e inovadora as mulheres que frequentavam e trabalhavam no universo da prostituição em um dos bairros mais emblemáticos de Barcelona, ele quis reinterpretar esse clássico através da sua ótica redimensionando o conceito de beleza e provocando reflexões sobre a marginalização dos “profissionais do sexo” que atuam nas áreas do centro da capital do Amazonas “Assim como Picasso buscou romper com as tradições, acredito que o papel da arte é desafiar estigmas e reconstruir narrativas”, avalia o artista.

Cléia Viana destaca a importância da escolha da área onde a exposição ficará exposta, da temática abordada, bem como apoio dos órgãos públicos para a realização do projeto. Para a curadora, o Mercado de Origem da Amazônia, idealizado pelo empresário Elias Tergilene, é um ícone de revitalização urbana, enquanto o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, junto à Fundação Doimo e UAi, garante apoio incondicional a sua realização. “Esse encontro imaginário entre Reis e Picasso, nesta rua emblemática de Manaus, nos convida a uma reflexão profunda sobre arte, história e a condição humana. Ao final, deixo a pergunta: como teria sido esse encontro?”, finaliza Cléia.

Cultura e Turismo do Amazonas

Reconhecido como um ícone da economia amazonense durante o auge do ciclo da borracha, o Complexo Booth Line foi erguido no século XIX e abrigava um conjunto de 17 prédios que serviam a exportadoras, companhias de navegação e até mesmo agências bancárias. Com uma estética inspirada na arquitetura portuguesa, o complexo se tornou popular na primeira metade do século XX, período marcado pela exportação em larga escala do látex da borracha. Esse fenômeno impulsionou um desenvolvimento significativo na região amazônica, especialmente nas cidades de Manaus e Belém.

Mercado de Origem da Amazônia

O Mercado de Origem da Amazônia (MOA), atualmente em fase de construção na mesma estrutura onde antes operavam os 17 prédios que formavam o Booth Line, surge como um marco para a agricultura familiar, cultura e história do Amazonas. Embora a revitalização ainda esteja em andamento, o espaço já funciona como um local de comercialização de produtos e realização de eventos, atendendo à comunidade manauara.

Segundo o empresário Elias Tergilene, responsável e idealizador do projeto, o Mercado de Origem da Amazônia foi concebido com o objetivo de restaurar um espaço que é referência na história da cidade, além de promover a inclusão de diversas expressões culturais e artísticas, gerando receita e oportunidades. “Já tivemos aqui shows, desfiles, eventos arquitetônicos e, agora, abrimos espaço para uma grande exposição que retrata o cotidiano das mulheres que habitavam a região do Booth Line fazendo referência a um período da história herdado até os dias de hoje. É uma excelente oportunidade para que a comunidade local conheça este espaço, saiba um pouco de sua origem e vivencie, através da arte, o que ele representou e representa. O MOA não só celebra o passado histórico de Manaus, mas também se propõe a ser um dinamizador da economia local e um ponto de encontro para a valorização da cultura amazônica. Todos são bem-vindos para nos visitar”, destacou Elias.

ARDAM

Durante a exposição, um dos quadros da mostra será doado para a Associação de Redução de Danos do Amazonas (Ardam), presidida por Evalcilene Santos. O valor de sua venda será revertido de forma integral à associação. A entidade é dedicada a combater os efeitos do consumo abusivo de álcool e drogas, além de trabalhar para diminuir os índices de infecções sexualmente transmissíveis (IST) em Manaus. A associação também atua em conjunto aos movimentos focados em mulheres com HIV, apoiando atividades ligadas aos movimentos trans e ações de orientação e cuidado para mulheres e homens que atuam como “profissionais do sexo”.

Serviço:

– Exposição: “Picassianas Divas de Itamaracá”

– Artista: Jandr Reis

– Curadoria artística: Cléia Viana

– Abertura ao público: 13 a 27 de março

Local: Mercado de Origem da Amazônia (MOA) – R. Tamandaré, 22 – Centro

– Horário de visitação: 8h às 17h

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