A menos de um ano da COP30 em Belém, a preparação do Brasil para sediar a maior conferência climática do mundo foi ofuscada por uma grave polêmica ambiental que expôs a contradição entre o discurso de preservação e a prática de obras de infraestrutura na Amazônia.
O principal alvo da controvérsia é a Avenida Liberdade, um projeto de R$ 150 milhões no Pará que visa ligar o centro de Belém a municípios vizinhos. Embora o Governo do Pará afirme que a obra não está diretamente ligada à COP30, seu traçado atravessa vastas áreas de floresta, igarapés e zonas de proteção, resultando em desmatamento e impacto direto em ecossistemas sensíveis e comunidades tradicionais.
A polêmica ganhou proporções internacionais com a intervenção do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em declarações incisivas, Trump classificou a obra como um “grande escândalo”, acusando o Brasil de “destruir a floresta tropical” para erguer uma rodovia de quatro pistas destinada a facilitar o trânsito dos próprios “ambientalistas” da COP30. A crítica do ex-presidente sublinha a fragilidade da imagem do Brasil como líder ambiental global quando atos de desmatamento para infraestrutura são flagrados no local do evento.
O contraste de tratamento: Liberdade vs. BR-319
A celeuma em torno da Avenida Liberdade coloca em evidência o tratamento diferenciado conferido a projetos de desenvolvimento na Amazônia.
De um lado, a obra da Avenida Liberdade avança, sob responsabilidade estadual, minimizando o impacto mesmo diante do desmatamento notório. De outro, o governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, sob a liderança de Marina Silva, mantém uma postura de extremo rigor técnico e ambiental em relação à pavimentação da BR-319 (Manaus-Porto Velho).
A exigência de garantias robustas e estudos aprofundados para evitar que a BR-319 se torne um novo eixo de desmatamento descontrolado é elogiada por ambientalistas, mas criticada por setores que clamam por desenvolvimento regional. Contudo, o contraste é inegável: o rigor aplicado à BR-319 parece não ter sido replicado na celeridade da Avenida Liberdade.
Este cenário lança um holofote sobre o duplo desafio do Brasil: garantir o desenvolvimento regional e a conectividade sem abrir mão do seu compromisso central com o desmatamento zero. A COP30, que deveria ser a vitrine do sucesso ambiental brasileiro, torna-se agora o palco da sua maior contradição.
Posicionamento dos citados
Diante da repercussão internacional e da acusação de Trump, o Palácio do Planalto optou por um posicionamento de distanciamento. A Secretaria Extraordinária para a COP30, vinculada à Casa Civil da Presidência da República, emitiu uma nota esclarecendo que a obra da Avenida Liberdade não é de responsabilidade do Governo Federal e não faz parte do escopo de obras de infraestrutura previstas para a realização da COP30.
O Governador do Pará, Helder Barbalho, foi mais direto ao rebater Trump. Ele destacou a redução histórica no desmatamento na Amazônia, com ênfase no Pará, e sugeriu que o ex-presidente deveria focar em apontar caminhos contra as mudanças climáticas, convidando-o ironicamente a provar um tacacá em Belém.
Marina Silva: Críticas a Trump e Rigor na BR-319
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, não se manifestou especificamente sobre a nota de Trump a respeito da Avenida Liberdade, mas manteve sua postura de duras críticas à política ambiental do ex-presidente americano. Em diversas ocasiões, a Ministra rotulou a postura de Trump sobre o clima como “negacionista” e afirmou que, historicamente, a participação dos EUA nas COPs, sob lideranças céticas, era mais para “atrapalhar” o avanço das negociações globais.
Essa posição de confronto retórico contrasta com o rigor técnico e ambiental imposto pelo seu ministério ao licenciamento de grandes obras de infraestrutura federal, como a pavimentação da BR-319 (Manaus-Porto Velho). A cautela na BR-319, visando evitar um vetor de desmatamento descontrolado, sublinha o dilema do Brasil: ser o “país da floresta” no palco global, ao mesmo tempo em que precisa gerenciar obras de desenvolvimento regional que, como a Avenida Liberdade, geram impacto local e questionamentos internacionais.
A polêmica na capital paraense transforma a COP30 de uma simples vitrine diplomática em um teste de coerência para o governo brasileiro, que precisa urgentemente conciliar a ambição climática global com as complexidades da gestão territorial e dos projetos de infraestrutura na Amazônia.
*cara de pau – É uma expressão idiomática utilizada para descrever uma pessoa que age com descaramento, cinismo, falta de vergonha ou petulância.





