As flores, muitas escolhidas para simbolizar o carinho e o amor, terão sido insuficientes, em vários lugares, por certo, para a homenagem a que muitos se deram no dia 8, desta semana, às mulheres de suas vidas. É que flores representam a doçura e a ternura de encantamento do espírito, realçando o perfil humano do enternecimento, da brandura, da serenidade, e da submissão à beleza. Foi o Dia Internacional da Mulher.
Da importância da mulher já cuidei, em artigo e em aulas de Direito do Menor que ministrei em nossa centenária Faculdade de Direito, sintetizando-a na constatação de que não há vida humana que não se origine de seu ventre. A Ciência, cujos avanços são inquestionáveis sobretudo na era da tecnologia moderna, não consegue trazer ao mundo um ser que não tenha sido gerado no abençoado corpo físico feminino. Não será à toa, certamente, que tudo tenha começado com Eva, Chava, mulher de Adam, cujo nome significa “vivente”, “aquela que dá vida” (Hawwah), e a quem Deus dotou de útero onde a vida é gerada e se desenvolve, mesmo que em vítreo possa ter sido a participação masculina, e de seios onde o recém-nascido se pode alimentar. E a relação entre a futura criança e a mãe é de tal intimidade e exclusividade que nenhuma ciência foi capaz, até aqui, de explicar com precisão.
Registros históricos conduzem à constatação de que nos idos de 1911 comemorou-se, a 19 de março, o Dia da Mulher Trabalhadora, por acatamento de proposta apresentada por Clara Zetkin em Conferência que se realizara no ano anterior em Copenhague. Foi comemoração que se fez primeiro na Alemanha, na Austrália, na Dinamarca e na Suíça, para depois espraiar-se por muitos outros países, até que a Organização das Nações Unidas decidiu, em assembleia geral que realizou em 1972, declarar 1975 como Ano Internacional da Mulher e da Paz. São mostras da luta tradicional pelo respeito, pelo reconhecimento de sua relevância social, necessidade infelizmente ainda presente nos dias de hoje, aqui e alhures. Há quem diga que Hipatia de Alexandria, brutalmente assassinada no ano de 415 de nosso tempo, é de ser considerada como paradigma da importância da mulher no âmbito científico, ícone da liberdade de pensamento. E a participação feminina nas ruas da França de 1789 terá conduzido à Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 1791, que estabelecia a condição de igualdade com o que havia sido proclamado por documento semelhante que ao homem se reportara dois anos antes e que se transformara em documento básico da Revolução Francesa.
Trabalhadoras russas fizeram no último domingo de fevereiro de 1913 a celebração do Dia Internacional da Mulher e, bradando pela liberdade, serviram de exemplo para o resto da Europa na oposição, nos festejos do ano seguinte, à primeira grande guerra que o mundo conheceu.
A História é recheada de exemplos da luta incessante da mulher por seu direito de participação social e a contribuição de sua inteligência, de sua dedicação e de sua força intelectual há sido a grande arma das vitórias que se têm registrado sucessivamente. E é também cheia de exemplos de discriminação social e humana, como a que ensejou a morte, em 1911, de mais de 140 mulheres trabalhadoras, italianas e judias em sua maioria, trancadas em ambiente da fábrica Triangle, em Nova Iorque e que serviu para reorientar parte da legislação contratual americana.
No dia 8 deste ano, enviei mensagem de congratulações a muitas amigas assim: “Parabéns por hoje e por todos os dias de luta pela igualdade.” E de uma ex-aluna, a quem muito prezo, recebi, com o agradecimento, a observação de que as mulheres não lutam exatamente pela igualdade, “querendo apenas ser elas mesmas.”
E isso basta, minha cara, que afinal ser mulher, mãe, orientadora, educadora e construtora de todo dia no lar e ainda participar honrosa e digna e dedicadamente da vida do trabalho é missão que só a mulher é capaz de cumprir. Mas, se me permite, mesmo que não devesse ser, obviamente, isso inclui luta histórica e permanente contra tradicional discriminação, que no Brasil mesmo já proibiu a mulher até de frequentar escola, de aprender a ler, de votar, de participar, enfim, da vida social. Não se lhe concedia nem mesmo o simples direito de escolher qual homem lhe serviria de companheiro para a vida. E é como se dá, ainda nos dias atuais, em ditaduras da fé que chegam ao assassinato autorizado pelo Estado de mulheres que ousam enfrentar as proibições e as restrições medievais que lhes são impostas. Juliana, minha filha, estudiosa devotada do Direito do Trabalho, publicou em seu perfil de uma das redes sociais, exatamente no festejado dia 8, em tom de absoluta reprovação, anúncio que encontrara na internet de oferta de emprego indicando clara, objetiva e desavergonhadamente salários diferentes para homens e mulheres e, em caso feminino, exigência de não ter filhos nem compromissos de outra natureza. Não é por acaso que o governo federal cuida de estabelecer, em projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional, multa expressiva para quem desrespeite a isonomia estabelecida pelo artigo 5º de nossa Constituição dita Cidadã, o que, aliás, já constitui crime.
E porque sei que os poucos que me leem devem estar cobrando meu histórico apego de amor transcendente à mãe e professora de todos os instantes – até quando chamada, aos 98 anos aqui, para aulas outras em planos superiores – vou silenciar esta voz neste instante de homenagem beijando o espírito de Sebastiana, guerreira porque mulher.
Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas