O equilíbrio delicado: STF, Congresso e o acesso à Justiça no Brasil – Por Ronaldo Aleixo

Senador Davi Alcolumbre, autor da proposta que quer restringir quem pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisões aprovadas pelo Congresso Nacional (União-AP Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A proposta do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de restringir quem pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisões aprovadas pelo Congresso Nacional, levanta um debate crucial sobre o equilíbrio entre os Poderes e o acesso à justiça no Brasil. A premissa de Alcolumbre, de que “hoje está muito aberto, todo mundo pode questionar uma legislação votada pelo parlamento brasileiro”, reflete uma preocupação com a judicialização excessiva da política e a interferência do Judiciário em matérias legislativas.

Atualmente, o rol de legitimados a propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e outros instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade é amplo. Inclui o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, as Mesas de Assembleias Legislativas, governadores de estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. Essa amplitude visa garantir que diversos setores da sociedade e entes federativos possam defender a Constituição contra eventuais desmandos legislativos.

A justificativa de Alcolumbre para a mudança reside na percepção de que a facilidade de acesso ao STF tem levado a uma instabilidade jurídica e a uma sobrecarga do tribunal, com pautas políticas sendo constantemente judicializadas. Argumenta-se que o Parlamento, como representante direto da vontade popular, deveria ter suas decisões mais respeitadas e menos sujeitas à revisão judicial imediata e indiscriminada por parte de uma gama tão vasta de atores. A ideia seria fortalecer o papel do Congresso como foro principal de debate e deliberação sobre as leis.

Os riscos da restrição e a preservação dos contrapesos

Contudo, a restrição desse acesso levanta preocupações significativas. Primeiramente, há o risco de concentração de poder. Limitar quem pode acionar o STF significa diminuir as vozes que podem questionar a constitucionalidade de uma lei, potencialmente silenciando minorias ou grupos que se sintam prejudicados por uma legislação aprovada pela maioria. O STF, nesse contexto, atua como um guardião da Constituição e dos direitos fundamentais, e o acesso a ele é um mecanismo essencial para a defesa desses princípios.

Em segundo lugar, a medida poderia comprometer o sistema de freios e contrapesos. A possibilidade de questionar leis no STF é uma garantia de que o Legislativo não atuará de forma arbitrária ou inconstitucional. Reduzir essa capacidade pode abrir precedentes para que leis com vícios de inconstitucionalidade prosperem, sem o devido controle.

Além disso, é importante considerar que nem toda judicialização é, por si só, negativa. Muitas vezes, o STF é provocado a se manifestar sobre leis que, de fato, apresentam inconstitucionalidades claras ou que violam direitos fundamentais. A questão não é apenas quem pode recorrer, mas a qualidade e a relevância das ações propostas. Talvez o foco devesse ser em mecanismos que desestimulem a litigância temerária ou as ações meramente protelatórias, em vez de restringir o acesso daqueles que, de fato, buscam a defesa da ordem constitucional.

Um debate necessário para a democracia

A proposta de Davi Alcolumbre, portanto, exige um debate aprofundado e cauteloso. É fundamental equilibrar a necessidade de estabilidade jurídica e o respeito às decisões do Congresso com a garantia do acesso à justiça e a efetividade do controle de constitucionalidade. Uma reforma nesse sentido demandaria ampla discussão entre os Poderes, a sociedade civil e a academia, a fim de evitar soluções que, sob o pretexto de resolver um problema, criem outros ainda maiores para a democracia brasileira.

O que a Constituição diz

A possibilidade de questionar leis e atos normativos no Supremo Tribunal Federal (STF) é um pilar fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro, garantindo a supremacia da Constituição. As principais leis que regem o acesso ao STF para o controle de constitucionalidade são:

  1. Constituição Federal de 1988 (CF/88)

A própria Constituição Federal é a base para o controle de constitucionalidade no Brasil, especialmente em seu Artigo 102, que define a competência do STF.

  • Art. 102, I, “a”: Estabelece que compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) de lei ou ato normativo federal.
  • Art. 102, § 1º: Prevê a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), que será apreciada pelo STF na forma da lei.
  • Art. 103: Define o rol taxativo dos legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, que são:
    • O Presidente da República;
    • A Mesa do Senado Federal;
    • A Mesa da Câmara dos Deputados;
    • A Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
    • O Governador de Estado ou do Distrito Federal;
    • O Procurador-Geral da República;
    • O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);
    • Partido político com representação no Congresso Nacional;
    • Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

 

  1. Lei nº 9.868/1999

Esta lei dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) perante o Supremo Tribunal Federal. Ela detalha o rito processual dessas ações, os requisitos da petição inicial, as fases do julgamento, os efeitos das decisões, entre outros aspectos relevantes.

  • Art. 2º: Repete o rol de legitimados para propor a ADI, conforme o Art. 103 da Constituição.
  • Art. 27: Trata da possibilidade de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, permitindo que o STF, por maioria de dois terços de seus membros, restrinja a eficácia da decisão ou defina que ela só terá efeitos a partir de um determinado momento (efeitos ex nunc ou pro futuro), considerando razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

 

  1. Lei nº 9.882/1999

Esta lei regulamenta a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). A ADPF é uma ação de controle concentrado de constitucionalidade de caráter subsidiário, utilizada quando não há outro meio eficaz de sanar a lesividade a um preceito fundamental decorrente da Constituição.

  • Ela também estabelece os legitimados para propor a ADPF, que são os mesmos do Art. 103 da CF/88.

 

  1. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF)

Embora não seja uma lei em sentido estrito, o Regimento Interno do STF contém normas processuais que detalham o trâmite das ações de controle de constitucionalidade dentro do Tribunal.

Essas leis e a própria Constituição formam o arcabouço jurídico que permite o funcionamento do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil, definindo quem pode acionar o STF e como essas ações são processadas. A proposta de Davi Alcolumbre, portanto, implicaria em modificações significativas nesse conjunto de normas.

Sobre o Autor

Ronaldo Aleixo – Jornalista DRT 96423/SP

Ronaldo Aleixo
É jornalista (DRT 96423/SP), filiado à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e ao Sindicato dos Jornalistas de Roraima (Sinjoper). Possui formação como Tecnólogo em Marketing pela Uninter-AM e é pós-graduado em Jornalismo Digital, Jornalismo Investigativo, Docência do Ensino Superior, Gestão de Mídia Social e MBA em Ciência Política: Relação Institucional e Governamental, todas pela Uninter-PR. Cursando Direito Digital na PUC-RS.

 

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