Há momentos em que o crachá pesa e o salário deixa de compensar o desgaste. É nesse ponto que surge a dúvida: sair, mudar de área ou permanecer? Para o gestor de carreiras e PhD em Engenharia pela Unicamp, Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria, o problema não está em ter incerteza, mas em decidir sem método.
“Grande parte das escolhas ruins nasce da pressa. A ansiedade cresce, surge uma oportunidade qualquer e a mudança acontece baseada na dor, não na direção”, afirma Santos. Segundo ele, escolher bem exige parar, analisar o contexto e aplicar critérios objetivos antes de qualquer movimento.
O cenário brasileiro ajuda a explicar por que tantas decisões estão em jogo. Em 2024, o País bateu recorde de população ocupada (103,3 milhões) e registrou a menor taxa anual de desocupação desde 2015, de 6,6%, segundo o IBGE. Já o Novo Caged contabilizou a criação de 1,69 milhão de postos formais, alta de 16,5% em relação a 2023. Os dados mostram que há vagas, mas também uma seleção mais rigorosa: a disputa não é apenas por espaço, mas por competências.
Método antes do impulso
Santos observa que o atual movimento de transições profissionais mistura necessidade econômica e busca por propósito, mas alerta para o risco de escolhas motivadas por modismos. “De um lado, há profissionais frustrados em mercados ditos como saturados; de outro, promessas fáceis de sucesso vendidas nas redes sociais. O que falta é método para decidir.”
Ele recomenda começar por um diagnóstico honesto da situação — liderança, cultura, setor ou até uma mudança pessoal podem estar na raiz do problema. Ferramentas como a análise SWOT, em que o profissional avalia suas forças, fraquezas, oportunidades e ameaças de forma honesta, ajudam a separar sintomas de causas. “Sem esse exercício, a saída corre o risco de virar apenas fuga”, diz.
Além da reflexão individual, é preciso observar tendências do mercado. Relatórios recentes do LinkedIn mostram desaceleração nas contratações globais e um foco maior em habilidades técnicas e comportamentais, além da valorização da flexibilidade. “Trocar de área sem mapear competências transferíveis tende a prolongar o tempo de recolocação”, avalia o especialista.
Ficar, sair ou mudar?
Para Santos, permanecer não significa acomodar-se. Faz sentido quando há espaço real de aprendizado, crescimento e geração de valor. “Às vezes, adiar a saída é estratégico: permite acumular recursos, fortalecer rede de contatos e obter certificações que sustentem um salto mais sólido”, explica.
Já a decisão de sair deve ser planejada, sobretudo quando o trabalho se torna fonte de ansiedade ou não oferece perspectivas de evolução. O especialista recomenda projetar ao menos três a seis meses de reserva financeira e construir uma matriz de decisão que compare opções com critérios claros, como remuneração, aprendizado, flexibilidade, cultura e liderança.
E quando o caminho é mudar de área? Para Santos, essa decisão só faz sentido se for estratégica. “O mercado não está saturado; o que há é excesso de profissionais genéricos. A mudança pode ser transformadora, mas exige coerência para conectar experiências anteriores à nova jornada e humildade para recomeçar.”
Clareza antes da coragem
Com o mercado aquecido e ao mesmo tempo mais exigente, o caminho para decisões de carreira está menos na coragem e mais na clareza. “A diferença entre um salto bem-sucedido e um tropeço está na capacidade de analisar dados, encarar a realidade sem autoengano e estruturar o próximo passo”, conclui Santos.
Virgilio Marques dos Santos, sócio-fundador da FM2S Educação e Consultoria
(Foto: Isaque Martins)
Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, gestor de carreiras, PhD, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Autor do livro “Partiu Carreira“, TEDx Speaker, foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.