Ter Duffel como cidade natal foi um mero acaso. Tanto que Andreas Pereira nunca voltou à cidade belga onde os pais viviam quando nasceu. Mas este detalhe na certidão de nascimento permitiu que o jogador pudesse optar por defender tanto o país europeu quanto o Brasil no cenário internacional. Uma vez escolhida a Seleção e recebida a primeira convocação para o time principal, a história pouco conhecida dos “estrangeiros” a vestirem a camisa canarinho foi resgatada. E, com ela, páginas perdidas de um passado em que documentos não eram tão fiéis à realidade vieram à tona, mostrando que o jovem atleta do Manchester United na verdade seria o sexto nascido no exterior a jogar como brasileiro.
A História
O pai de Andreas era atacante e, depois de jogar pelo Inter de Limeira, no interior de São Paulo, fez toda a carreira no futebol belga. O filho nasceu em 1996, quando ele defendia o KV Mechelen. Aos nove anos passou a integrar a base do PSV, da Holanda, até ser recrutado pelo Manchester United em 2011. Neste período a seleção belga se interessou pelo jovem talento, e vieram as convocações para o sub-15. Sem qualquer demonstração de interesse da CBF, a família aprovou que o adolescente usasse as cores da Bélgica.
Tudo mudou quando Andreas tinha 17 anos e recebeu a visita de Alexandre Gallo, então coordenador das divisões de base do Brasil. Na mesma hora o jogador topou virar a casaca para realizar o sonho de criança. Precisou até escrever uma carta à Fifa explicando as razões da troca para poder disputar o Mundial sub-20 de 2015, no qual ele marcaria o gol do Brasil na derrota para a Hungria na final.
De volta ao United após dois anos no futebol espanhol, jogando por Granada e Valencia, Andreas finalmente viu as portas do time principal do Brasil se abrirem. Foi um dos 24 convocados por Tite para os amistosos contra Estados Unidos e El Salvador agora em setembro. Até duvidou em um primeiro momento.
Foi um dia muito especial. Falei com meu pai que não queria assistir a convocação porque eu não queria ficar muito na expectativa e ele falou que ia assistir então sozinho. Ele foi para o quarto, eu fiquei com a minha mãe. Ele voltou gritando: “Foi convocado, parabéns!”. Eu falei “Tá brincando!?”. Ele falou “Foi convocado!”, mostrou no laptop. Quando eu vi comecei a chorar. Foi muito emocionante. Acho que foi o melhor dia da minha vida.
Apesar de ter morado a vida toda na Europa, Andreas se vê tão brasileiro quanto todos os outros jogadores do grupo. Além de viajar todos os anos ao Brasil para visitar a família em Londrina, é fã de futevôlei, adora um churrasco e escuta muito pagode e funk, ritmos que fazem sucesso com os demais boleiros.
Eu sou brasileiro, me sinto brasileiro,sou filho de brasileiros. Eu nasci na Bélgica sim, fui criado, mas minha família inteira é brasileira. Sempre convivi na Bélgica com brasileiros, tenho carinho pelo Brasil, vou todo ano, qualquer chance que tenho vou para o Brasil. E difícil falar que eu sou belga. Eles me veem como estrangeiro na Bélgica. Eu sempre me senti em casa no Brasil.
A história de Russo – o argentino
Nos 104 anos de história da seleção brasileira, os registros divergem sobre o número exato de atletas nascidos no exterior vestirem a camisa amarela. Há consenso sobre três: o atacante Sidney Pullen, nascido na Inglaterra; o goleiro Casemiro do Amaral, nascido em Portugal; e o meia Francisco Police, nascido na Itália. Todos defenderam a seleção no início do século XX, o que faria com que o hiato até a convocação de Andreas tivesse 100 anos.
Mas Adolpho Milman, mas conhecido como Russo, adicionaria um outro capítulo a essa história. Os registros apontam Pelotas como cidade natal, mas a lenda era de que ele haveria nascido em um território do império russo onde hoje é o Afeganistão. Apesar de não ter qualquer documentação que comprove a versão, o filho do ex-atacante do Fluminense afirma que Russo, na verdade, era argentino.
Adolpho Milman, o Russo (Foto: Arquivo/Fluminense F.C)
Essa descoberta foi recentíssima. Quando ele completou 100 anos um jornalista de Pelotas me contactou, mandando um texto com uma pequena história do papai, pedindo para que confirmasse. Falei que eu não tinha como confirmar aquele passado distante, só tinha informações apenas da vida conhecida dele, de futebol. Mas eu tenho contato com uma prima, que mora na França, que falou que o texto não era nada disso não. Que a história não era essa. “Nossos pais são argentinos” – disse Fernando Milman.
Os pais de Russo de fato eram imigrantes europeus, na da Ucrânia, e se estabeleceram na região de Entre Ríos, na Argentina, antes de migrarem para o Rio Grande do Sul. Como a família era muito humilde, de camponeses, Fernando não sabe se existiu qualquer registro do Nascimento do pai em outro país. Ele mesmo só conhece bem a história pública do pai, que mudou-se para o Rio de Janeiro na década de 30 para formar o poderoso time montado pelo Fluminense à época. A passagem pela Seleção foi em 1942, no Sul-Americano.
– Meu pai fugiu de casa para jogar futebol, com 15, 16 anos, rompido com o pai. Deve ter sido rompimento sério, porque nunca mais voltou, nunca mais falou. E não falava sobre esse assunto. E aí Russo, criou-se. Eu também, convivi pensando que ele tivesse nascido lá, naquela região, Cazaquistão, Afeganistão… Até porque os traços dele são mesmo daquela região. Mas o fato é que certeza ninguém tinha. E ele não falava do passado. Só começou a emergir um pouco quando ele teve contato com o João Saldanha, de quem era muito amigo. Eram os dois do Sul… Se conheceram lá, acho eu, e ficaram amigos a vida inteira. E aí vinham os assuntos do Sul. Aí eventualmente alguma coisa escapava.
A amizade com Saldanha e o conhecimento futebolístico o levaram ao cargo de supervisor técnico da Seleção ate 1970, mas Russo foi demitido junto com o técnico antes da Copa do Mundo que culminaria na campanha do tricampeonato mundial. Russo faleceu 10 anos depois.