Por Lourenço Braga: CICLOS DA VIDA

Em manhã amazônica de sol ardente e brilhante, com a mãe natureza exibindo alegria e pujança, participei na última terça-feira de solenidade no teatro do Colégio La Salle, aqui em Manaus, que tradicionalmente seria denominada de “Formatura do ABC”, com um grupo de felizes crianças encerrando ciclo importante de suas ainda verdes vidas, concluindo a fase da pré-escola e, por isso, habilitando-se a ingressar no ensino fundamental, passo primeiro de longa jornada que se pode estender vida afora até à incorporação de títulos de pós-doutorado em áreas de conhecimento que vierem a escolher.

Ali havia, sem que nem mesmo soubessem,  médicos, advogados, professores, artistas, engenheiros, dentistas, assistentes sociais, políticos, cientistas, talvez até astronautas, do futuro que juraram, em tom solene que não conhecem direito, fazer melhor, para construção  de uma sociedade de paz e de amor.

Fui convocado a esse privilégio por PAULO VICTOR, o neto de número seis, filho de Evely e Lourenço, que como eu teimavam em tentar, sem êxito, esconder a emoção que a nós nos invadia a alma e que reverenciava a inocente conquista com preces mudas, ditas pelo coração, de agradecimento e ornadas de súplicas a Deus para que bençãos se fizessem em forma de concessão de sucesso crescente por todo o  tempo que ali se iniciava.

Era por certo o que acontecia com os outros pais e avós que lotavam o teatro e que, como nós outros, não paravam de aplaudir e até de  bradar, alto e bom som, o nome dos que para ali os haviam conduzido. Uma festa, com todo o rigor protocolar, em que o amor se impunha, para curvar-se tão-só à fé.

No  domingo, houve a missa em ação de graças e na segunda-feira o baile de formatura com todos os aparatos de uma grande festa infantil, guloseimas apropriadas, brinquedos cuidadosamente escolhidos com vistas à segurança de todos, e até valsa que cada menino dançou com sua mãe e cada menina dividiu, por certo em passos ensaiados, com seu pai, ou responsável, ou até mesmo com avós mais ousados e corajosos.

Na terça-feira, o ato solene teve o nome de “Rito de Passagem”, quando cada um dos concludentes era nominalmente chamado para receber, entre aplausos, a camisa de cor amarela, em lugar da vermelha que os identificava como da pré-escola. Ao lado, orgulhosas professoras, vaidosos professores, estagiários e coordenadores eram generais que participavam da formatura para a qual cada um doou parte de suas vidas, a cada dia,  em dedicação extremada.

Com a nova blusa, o certificado de conclusão da etapa que os habilita ao ingresso no curso e a entrega, pelo Diretor da Escola, fazia-se com rigor que lembrava o instante solene em que recebe o tão desejado e esperado espadim o cadete que conclui com êxito o primeiro ano da escola militar, admitido na carreira, ou o grumete na arma dos mares.

É o término de um ciclo de suas jovens vidas e início de outro que haverá de ser  véspera de muitos e foi isto que me ficou vindo à mente desde as aulas  da professora Sebastiana ensinando-me os primeiros contatos com as letras, as sílabas, as palavras, os números, até o instante em que o comandante Lourenço subiu ao palco do belo teatro Amazonas para me colocar no dedo, em gesto que me vai à alma ainda hoje, o anel simbólico, prêmio que lhe foi entregue pelo magnífico reitor, professor Aderson Pereira Dutra, juntamente com o  diploma de bacharel em Direito.

E lágrimas também não contive revivendo momentos iguais das primeiras formaturas de Alessandro, Juliana e Lourenço, filhos, no mesmo colégio, assim como dos outros cinco netos que precedem, cronologicamente, Paulo Victor. E como a vida se faz em ciclos, também agradeci a Deus o privilégio de assistir a momentos iguais ao que vivi no instante do bacharelado, com os filhos e a primeira das netas, Ana Beatrice, como sei que se dará em março próximo com a segunda, arquiteta Maria Fernanda. Um filme de memórias que se descortinou em minha mente, entre apertos de emoção profunda.

Estando no teatro, ali  bem próximo ao palco, dei-me a lembrar de Vovô Branco, que animava a criançada nas manhãs de domingo no palco do então não bem tratado Teatro Amazonas, programa que a rádio Baré transmitia e que eu anunciava com frases que José Braga preparava para mim, com Bonates fazendo brincadeiras que divertiam a plateia, músicos como Maria Justina, Felisbela Simões, Terezinha Tribuzy, Terezinha Alencar, os irmãos Negrão  e eu com o bandolim que ainda guardo comigo, além de Robério, que nunca mais se separaria das artes e as resgataria, em importância e respeito, no longo e profícuo tempo em que dirigiu a Cultura no Estado.

Em meio  a essa torrente de tão belas lembranças, impossível a elas não trazer a dama maior, rainha de minha escola de samba, símbolo das artes cênicas no Amazonas de seu tempo, desde muito jovem, ainda no Instituto de Educação, exibindo domínio do palco e da arte de falar, de imitar, de dublar, de declamar, de dançar, tudo o que continuou a fazer, encantando sempre os que tiveram a felicidade de aplaudi-la.

Falo de Ednelza Sahdo, que vem de ter encerrado o ciclo de sua vida terrena e, por certo, iniciado o da vida espiritual com a mesma alegria com que caminhou sempre entre nós. E, mercê da Vontade maior, encerrou este ciclo a tempo de ensaiar com Alfredo Fernandes, Gebes Medeiros, Farias de Carvalho, Américo Alvarez, Hélio Ázaro, Nivaldo Santiago, Tiago de Melo e tantos outros, a Cantata de Natal que desta vez haverá de ter sons de harpas e de trombetas de anjos felizes festejando com ela, e com os que certamente por ela esperavam, o Dia de Jesus.

Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
lourencodossantospereirabraga@hotmail.com

 

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