Por Lourenço Braga: FAÇA-SE A PAZ!

Nas últimas semanas, ocupei este espaço para registrar, com razoável grau de preocupação e de estranheza, os rumos que a campanha política em horário dito gratuito na televisão e no rádio vinham tomando, com ofensas de parte a parte, agressões, desrespeitos, falta de cuidado ao dizer, ao expressar pensamentos que denotavam ser provenientes de certa carga de ódio, muito mais que de desapreço ou de desafio que são comuns e aceitáveis em disputas dessa natureza. O dedo em riste foi constante, tanto quanto as tentativas de desmoralização, de desabono, de desprestígio, e era como se em um jogo de futebol houvesse uma penalidade máxima seguida de outra, ininterruptamente, por todo o tempo normal e na prorrogação.

Na véspera do encerramento da campanha, falei da necessidade de recolher o lixo, como se dá ao término de uma obra de engenharia civil, para que se a possa entregar em condições dignas, apreciáveis e aptas a pronta utilização.  E firmei ali o desejo de que houvesse a deposição das armas, com o recolhimento de  “santinhos”, cartazes, banners, folhetos, folhas de jornal e de revista, e que com tudo isso fosse embora o tempo de mentiras, de inverdades que ganharam o apelido de “fake news”, plantadas e até pronunciadas pessoalmente, às vezes sem cuidado qualquer, e como cidadão sugeri que as ofensas, as falsidades, os agravos, os vilipêndios, tudo isso passasse a servir ao lixo da história daquela temporada. E assim pedi para concluir com o entendimento de que com a proclamação do resultado do pleito há que surgir um único vencedor, o povo brasileiro, que  tem direito ao respeito e à dignidade para fazer livremente e em paz suas escolhas de formas e modos de vida. Afinal, é do povo que o poder emana, ao dizer da Constituição.

Volto ao tema com a expectativa de encerrá-lo.

O resultado das urnas, que em um regime democrático deve ser soberano –   mesmo que contra ele se insurjam, legitimamente desde que de forma ordeira e em paz, os que não  alcançaram o primeiro lugar na contenda – exibiu um País claramente dividido entre duas tendências políticas antagônicas e essa divisão mostra-se  bem forte a julgar pela quantidade de votos atribuídos validamente a cada um dos dois candidatos, talvez com a menor diferença, proporcionalmente ao número de eleitores, que se tenha verificado depois da democratização.

Agora, é urgente para os que assumirão em janeiro próximo adotarem providências, por via de comissão de transição especialmente indicada e nomeada, que lhes permitam tomar conhecimento do que lhes será entregue para administrar, porque ressalta como verdade,  indiscutível e superior,  que o serviço público, sobretudo em suas atividades essenciais, como saúde, educação, segurança e assistência social, pra dizer o mínimo, não pode sofrer solução de continuidade. É assim que se dá, por exemplo, quando se pretende celebrar contrato de aluguel de um imóvel: busca-se conhecer as reais condições de habitabilidade, de utilização imediata e até de necessidade de reformas e adaptações que se ajustem ao que pretende  o futuro locatário. E aquele que está por desocupar o bem precisa prestar ao que chega todas as informações, com o rigor da verdade, como aliás com ele se terá dado quando contratou.

É hora, pois, de descer do palanque, para usar expressão bem a gosto dos políticos, de desarmar os andaimes da obra da campanha que já terminou e de cuidar de organizar a transferência, não do domínio, da propriedade que continua sendo do povo, mas da posse, de forma ordeira, civilizada e republicana. Afinal, é preciso iniciar o caminho para dar cumprimento àquilo em que o povo acreditou ao votar e escolher.

Há muito a fazer! Fome a debelar, desemprego a combater, crescimento econômico a fomentar, inovações e fortalecimento dos sistemas de saúde e de educação, preparando crianças e jovens sadios para o que há de vir, política de habitação que enfrente o crescimento assustador de pessoas em situação de rua, dormindo sobre as calçadas, ao relento, sob pontes e viadutos, entregues à própria sorte, indiferentes ao mundo que parece nem mesmo reconhecer em cada um a condição humana.-

É hora de fazer Política, com letra maiúscula, buscando no entendimento a superação das discordâncias, incorporando opiniões e tendências, abdicando e preservando o essencial, com vistas à construção de programas e projetos públicos que objetivem o desenvolvimento deste que muitos dizem ser um dos países mais importantes do mundo, sobretudo para o fornecimento de alimentos a todos indispensáveis. O Brasil não é grande só porque nós brasileiros, ou alguns de nós, o dizemos assim. Precisa sê-lo por ações que orgulhem internamente e lhe concedam o respeito merecido no plano internacional. Afinal, também sou dos que nisso acreditam.

Há um mundo que se redesenha a partir dos resultados danosos de uma pandemia ainda nem mensurados com exatidão e de efeitos também impossíveis de medir de clima de beligerância que atinge sobretudo o continente europeu, a interessar, inquestionavelmente, à globalização. O quanto isso atinge a América Latina e a tradicional liderança brasileira é questão a ser tratada com seriedade irrecusável e a preservação de nossa soberania há que estar sempre à mesa de busca de solução e de meios e modos de relacionamento com os demais países do planeta.

Compromissos de campanha que precisam ser cumpridos, como  aliás deveria sempre ser, e uns há de imediatidade inafastável,  como por exemplo a manutenção do pagamento dos auxílios instituídos pelo Governo para enfrentar a crise econômica pós-pandêmica. Afinal, já disse o sociólogo,  quem tem fome não pode esperar. E ao que leio, é preciso ajustar orçamento e regras de execução orçamentária para garantir que tudo ocorra como prometido e que ao final do mês as pessoas recebam o que se lhes deve, pelo menos até quando as condições da economia brasileira assim exigirem. E para que se isso se dê, há que haver espírito público superior dos que decidem no Congresso Nacional, sem ranços e sem mágoas, superpondo a tudo o interesse público.

Há muito a fazer, em tempo que parece tão pequeno se menos de sessenta dias nos separam do início de novo governo. Mas é dever, e é inadiável.

Certamente há políticos conscientes o bastante da necessidade de ultrapassar as barreiras que os separaram na campanha política e de promoverem a reunião de esforços com vistas ao bem comum. Tem sido assim e esta é uma das grandes virtudes de um regime democrático.

Há, entretanto, no tempo presente talvez o desafio maior para o governo que chega, qual seja o de restabelecer a paz entre os brasileiros todos, respeitando as diferenças, as crenças, as escolhas, os caminhos de cada um, mas buscando incessantemente meios  e formas de encontro de todos que em verdade somos irmãos, integrantes da mesma nação, desejosos dos mesmos êxitos, donos das mesmas esperanças e detentores dos mesmos direitos. É preciso unir os sofrimentos e as alegrias, preservando o orgulho de ser brasileiro, do Brasil do carnaval, do boi-bumbá, da ciranda, do futebol, do voleibol, da ginástica artística, da música, da poesia, das artes cênicas, da escola de tempo integral, do direito ao alimento, ao prazer da vida, do sol, da praia, da neve, do calor e do frio, do ribeirinho, do vaqueiro, do lavrador, do doutor, do professor, do agricultor, sem que sejamos uns e outros, nós e eles, que resultemos unidos na busca de construir, juntos, um país melhor para os que virão depois de nós.

O sagrado direito de fazer oposição, que é da essência do regime democrático, precisa ser respeitado, acatado sempre que capaz de contribuir para a melhoria da vida, porque afinal só saímos de uma eleição onde um é o primeiro e o outro é o segundo, mas não somos inimigos, apenas pelejamos como adversários em jogo que já terminou. Todos os brasileiros precisam ser respeitados.

Faça-se a paz!

Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
lourencodossantospereirabraga@hotmail.com

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui