Por Lourenço Braga: LOUVOR A NOSSA SENHORA

Sei que muitos não rendem a Maria, mãe de Jesus em sua vida humana, as honras que a igreja católica lhe confere e  isso respeito eu profundamente, porque aprendi desde cedo, com Sebastiana e Lourenço, espiritualistas kardecistas, que dentre os direitos inalienáveis dos humanos sobressai o da crença, o da fé, ao que corresponde, integralmente, o de seguir o ateísmo.

Assim sendo, admitindo que entre meus pouquíssimos leitores uns haja que dessa forma creiam, peço desculpas por ocupar este espaço, em linhas ornadas de pobreza, como costuma ser, para novamente louvar a mãe do Cristo neste tempo em que os que nela acreditam  reverenciam-na em pelo menos duas grandes e belas festas religiosas neste Brasil místico de tantas cores, de tantas luzes e de convicções várias.

Em  12 de outubro, o sábado de agora, a cidade de Aparecida do Norte engalana-se para receber fieis que se contam aos milhares e que, plenos de fé, ali chegam em romaria para festejar a padroeira do Brasil, a Santa representada por imagem negra encontrada por pescadores no rio Paraíba do Sul, onde fora jogada por volta dos anos de mil e setecentos, depois de permanecer por mais de 50 anos no leito do rio, segundo estudos de um redentorista superior paulista. Em dia igual,  pobre de peixes na rede jogada ao rio, um de três pescadores que   buscavam alimento na água recolheu uma imagem em madeira escura, incompleta, sem a cabeça, e logo após, em tentativa nova, recebeu na mesma rede de pesca a peça que faltava para completar  o que havia encontrado. Logo a pescaria fez-se farta como jamais fora e a junção das duas partes recolhidas teria permitido identificar tratar-se de imagem de Nossa Senhora da Conceição, o que provocou pronta adoração que se expandiu rapidamente entre os moradores da região e avançou para além de Guaratinguetá.

A notícia do encontro da imagem e da fartura de peixes que se seguiu atraiu pessoas em busca de milagres e prontas a louvar, ali pelos anos da primeira metade do século XVIII, levando à construção de uma pequena capela para receber as orações, o que se projetou em dimensões cada vez maiores até que em 1904 a pequenina imagem negra foi coroada como de Aparecida e em 1929 o  Papa Pio XI a proclamou padroeira do Brasil, tantas e tamanhas as demonstrações de fé.

O dia 12, que é também dedicado às crianças,  foi consagrado à padroeira no século passado por decisão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e neste tempo as festas que se fazem na cidade do interior de São Paulo constituem extraordinária manifestação de religiosidade, encontro de orações, de agradecimentos, de lágrimas e de emoções que se não consegue descrever.

Neste ano de 2024, o 12 é véspera do que se dá, desde muito tempo, no segundo domingo de outubro, na cidade de Belém do Pará, em honra de Nossa Senhora de Nazaré. É o Círio que atrai para o norte do País muitos milhares de pessoas que compõem interminável cordão de crentes que entre rezas e cânticos homenageiam e agradecem, proclamando louvores à Virgem Mãe, e sobre isso vou reproduzir, em parte, o que deixei em espaço semelhante em ano outro.

Era a padroeira de meu pai e foi segurando  imagem pequena da Santa em uma das mãos que ele enfrentou, em fria madrugada de 1948, um incêndio em meio à travessia da baía de Marajó, que destruiu o vapor Manauense, onde ele era Comissário,  e vitimou mais de 20 pessoas, entre passageiros e tripulantes da embarcação. O ícone de madeira tosca permaneceu em seu poder por todo o tempo do desastre e foi companheiro inseparável em grande parte de sua vida.

Dentre muitas versões sobre a origem da devoção  do povo paraense a Nossa Senhora, a mais aceita é a  encontrada em um manuscrito do bispo Dom João Evangelista narrando que no final do mês de outubro do ano de  1700 um homem simples, chamado Plácido José, teria levado para casa uma imagem que encontrara em lugar próximo de um igarapé, à beira de um córrego, e se teria surpreendido, no dia seguinte, com o fato de reencontrar o ícone no mesmo lugar do dia anterior, mesmo que o tivesse guardado em sua residência. Esse fato se teria repetido por dias seguidos, até o humilde homem compreender que naquele lugar havia de construir uma capelinha para abrigar o que encontrara. Não demorou para que muitos dos que por ali transitavam passassem a acender velas, deixar papéis escritos e, depois, até esculturas de cera indicativas, por certo, de graças recebidas. É onde se encontra construída hoje a Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré e ali continuam sendo depositados objetos que representam louvores por curas diversas obtidas por fiéis.

Dizia-se, na época, que a imagem encontrada por Plácido teria pertencido a jesuítas portugueses que trabalharam na Província do Grão-Pará, o que teria autorizado o bispo Evangelista a enviar, em 1773, pedidos formais à rainha de Portugal D. Maria I e ao Papa Pio VI para realizar festividade em homenagem à Santa então já incorporada à crença do povo católico da região.

Em 1792, quando, afinal, a autorização foi obtida, o governante da província do Grão-Pará e Rio Negro, Francisco Coutinho, visitando a capela e constatando a devoção, decidiu fazer nos arredores uma feira de produtos agrícolas para atrair mais pessoas de outras localidades. Deu-se que o capitão-mor adoeceu e prometeu à santa que, obtida a cura, mandaria rezar uma missa em ação de graças e cuidaria de transportar a imagem no que hoje se chamaria de andor, procissão que de fato ocorreu em 8 de setembro de 1793 e é considerado o primeiro Círio de Nazaré.

Nos tempos atuais, há uma semana inteira dedicada a homenagear a Virgem, com celebrações e festividades preparadas ao longo de todo o ano, atraindo pessoas das mais diferentes nacionalidades e funcionando como importante atração turística da região.

Na 6ª feira que antecede o auge da festa, há o traslado da imagem abençoada da Basílica até a igreja de Nossa Senhora das Graças, na cidade de Ananindeua, próxima de Belém, em cuja matriz permanece por toda a noite com grande quantidade de fiéis em vigília que se estende até a manhã do dia seguinte.

Às horas primeiras do sábado, também por via rodoviária, a imagem é conduzida em procissão até Icoaraci, já de volta à Capital, de onde retorna em corveta da Marinha do Brasil que comanda procissão de encantamento que se confunde com a beleza das águas que abençoa. É o Círio fluvial acompanhado, em festa e em contrição, por centenas de barcos regionais de diferentes portes, canoas, iates, todos lotados de devotos da Santa.

No porto, em solenidade de rigor militar, a imagem é entregue aos responsáveis pela Igreja e dali segue acompanhada por milhares de motociclistas e de ciclistas. É a moto romaria, que sai da Estação das Docas, onde a corveta aporta, em direção ao Colégio Gentil Bittencourt.

No final da tarde do sábado dá-se a procissão da trasladação, quando a imagem é conduzida em uma berlinda atrelada a uma corda de quase meio quilômetro de extensão, onde fiéis se amontoam em gesto extremo de devoção, com louvores, agradecimentos, preces, hinos, promessas e lágrimas, e é levada do  colégio Bittencourt para a Catedral da Sé, onde permanece sob vigília madrugada a dentro.

Ao raiar do dia de domingo realiza-se o maior de todos os cortejos, a procissão que conduz a imagem da Santa da Catedral à Basílica de Nazaré. É o Círio, que une homens e mulheres de todas as idades: crianças, jovens, adultos, idosos, de todas as raças, de diferentes lugares do planeta em uma comunhão de sentimentos impossível de ser descrita, menos ainda qualificada, pela magia e pelo encantamento de que se reveste.

A procissão do Círio de Nazaré reúne incontáveis milhares de fiéis, segundo registram as autoridades do lugar, e segue trajeto que vai da Catedral da Sé até a Basílica de Nazaré. Trata-se do que se pode chamar do ápice do Círio. Tudo começa, nascendo o sol, com a celebração de missa em frente à Catedral e em seguida a imagem da Santa é conduzida pelo arcebispo até a berlinda, cuidadosa e artisticamente preparada para recebê-la, farta em ricos arranjos de flores, para seguir o trajeto até a basílica.

Muitos são os fiéis que se aglomeram ao longo da corda, verdadeira e intensa corrente humana unida por fé inquebrantável e inigualável. E há, ao tempo, fieis outros que os acodem com água derramada ou entregue para beber de sorte a diminuir, mesmo que pouco, o desafio do calor de sol abrasador próprio da época e cujo sacrifício representa o cumprimento, ou a entrega, de promessas.  Muitos devotos acompanham descalços todo o longo percurso da procissão. Outros conduzem crucifixos, imagens da padroeira e objetos que representam pedidos ou graças alcançadas, como esculturas de órgãos do corpo humano, miniaturas de casas, de barcos ou de canoas, livros, cadernos e tantos outros. E seguem entoando, a todo o tempo, hinos de louvor e orações que ecoam pela longa avenida.

Nada há igual. A cidade veste-se de amor, paz e devoção.

Que a Santa em quem creio continue a abençoar o Brasil!

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