Por Lourenço Braga: SACERDÓCIOS

Diferente do que venho fazendo nas últimas semanas, não cuidarei hoje de nada que se relacione com a eleição em segundo turno que ocorrerá no próximo dia 30, para escolha dos caminhos que desejamos para o Brasil e, em nosso caso, também para o Amazonas, elegendo um governador. Não tratarei do tema para não cansar o leitor com coisas que parecem impossíveis de modificação, até mesmo a julgar por recente “debate” realizado por emissora de televisão entre os dois pretendentes à cadeira principal do Palácio do Planalto, que mais se assemelhou a uma disputa entre colegiais, uma brincadeira das que se costuma realizar no interior da sala de aula, sem consequência séria qualquer. O que vimos todos foi a repetição de acusações, dedo em riste, de “você é um mentiroso”, o que permeou grande parte daquele cansativo bate-papo vazio de conteúdo que se destinasse ao esclarecimento dos eleitores e a esses respeitasse.  Lamentavelmente, as questões de maior interesse da população foram deixadas de lado e não cuidaram os contendores, por exemplo, dos rumos da economia, da educação, da saúde, da segurança pública, do desemprego, da fome, da habitação, do crescimento da quantidade de pessoas em situação de rua, dormindo ao relento, sobre as calçadas, debaixo de pontes ou de viadutos, enfim… Como diriam os mais antigos, “ficou o dito pelo não dito”. Sem novidade, pois, a merecer considerações.

Quero luzes em lugar das trevas e por isso vou tratar, com alegria e profundo respeito de dois sacerdócios livremente escolhidos por muitos dos que habitam este canto do mundo que um dia já pertenceu aos nossos índios, hoje não respeitados como deveriam ser. É que sábado, 15, foi Dia do Professor, coincidente com a data em que a comunidade católica festeja Santa Teresa de Ávila, pedagoga considerada a primeira doutora da Igreja e, por isso mesmo, padroeira dos que se dedicam ao difícil mister do magistério.  No 18, terça-feira, foi Dia do Médico, quando os católicos homenageiam São Lucas, médico nascido na Antioquia, Turquia, e que foi autor dos Atos dos Apóstolos e de um dos Evangelhos. É o padroeiro dos conhecidos “homens e mulheres de branco”.

À maneira de como fiz em outra oportunidade, vou começar do começo, para tratar desses anjos que combatem a ignorância, a escuridão do desconhecimento. A professora das séries iniciais, aquela que dedica sua vida a tomar nas mãos, e até no colo, filhos alheios para introduzi-los nos primeiros caminhos da busca e da construção do Saber. E os faz filhos seus, tanto o amor que lhes entrega e a dedicação com que deles cuida. E, como já afirmei alhures, é como se abrisse, com esse sentimento, o pano de boca do grande teatro da vida para os que nela começam a caminhar, descortinando o futuro. É assim também que se dá com o professor, um pai para as crianças, embora não seja tão comum sua participação nessa fase inicial do processo ensino-aprendizagem.

As primeiras letras, sua identificação e junção para formar as primeiras sílabas, os contatos primários com os números e sua valoração, tudo isso constitui o que já denominei de luzes normalmente acesas por professoras, heroínas na doação de afeto, de carinho, de atenção indispensáveis a motivar os jovens iniciantes a permanecerem na lida do aprendizado que se vai estender vida afora.

Em forma de amor, a professora é, como também já afirmei em outro artigo, símbolo da paciência, da compreensão e do acolhimento, exemplo de meiguice, de concórdia, sempre disposta a perdoar, ensinando com a inteligência tanto quanto com o coração. Depois, quando já não mais os tem na sala de aula, a professora costuma experimentar extraordinário orgulho ao encontrar vencedores na vida aqueles a quem ensinou a caminhar e para quem acendeu as primeiras luzes. Era assim que Sebastiana Braga – que hoje, com justiça, dá nome a uma escola da rede pública estadual, minha mestra de sempre até seus 98 anos de idade – dizia-se feliz pela escolha do caminho que fizera, cumprido com êxito o sacerdócio neste plano da vida.

Não canso de proclamar que é na transferência das primeiras letras, das construções iniciais de formas de relacionar fatos da vida que a professora, tal como o professor, acende os primeiros fachos, primeiros archotes de tantos que haverão de ser acesos no caminho da vida, igualando-se ao gesto maternal do dar as mãos para garantir o equilíbrio nos primeiros passos. Estão a construir, como já afirmei, sóis que aquecem e iluminam a mente e a alma dos pequeninos.

Vencida a fase primeira, sedimentada a segurança no caminhar, despertada a confiança no aprender e no construir, não está, nem por isso, concluída a função do mestre   ou da mestra que, como já registrei, é quem continuará contribuindo para a escolha dos caminhos e dos materiais necessários à obra de sua edificação. E por todo o tempo haverá no íntimo de cada um, no livro que ler, no texto que escrever, naquilo que planejar, no que vier a ensinar, depositado de forma indelével, o que lhe foi transmitido por cada professor ou professora em sua caminhada escolar.

São anjos da construção da vida e exercem o sacerdócio do Amor.

No dia 18, festejamos os que dedicam suas vidas a salvar vidas alheias. Os médicos, chamados de homens e mulheres de branco, são anjos que começam bem cedo, via de regra, a busca de conhecer a estrutura, a composição, o funcionamento, o adoecimento e o tratamento do corpo humano. Iniciando lá pelas aulas de anatomia e de bases biológicas, avançando por fundamentos morfológicos do organismo, bases patológicas e farmacológicas, doenças e formas de tratamento na criança, no adolescente, no adulto e no idoso, suas interações e formas de afetar a saúde plena, e por aí vai, conhecendo e experimentando estágios nos diferentes  setores ou compartimentos da ciência médica, até que depois de 6 anos de formação, normalmente em tempo integral, estão aptos a iniciar a residência médica que precede à especialização e em todo o tempo estão em contato com doenças, remédios e pacientes em ambulatórios, clínicas, hospitais, pronto socorros, casas de saúde, plantões, pronto atendimento, aprendendo,  conhecendo e aplicando formas e modos de servir para curar a dor, para restabelecer o funcionamento orgânico regular e para a extinção da doença.

Não há hora para o trabalho e a dedicação é recompensada pelo sucesso do tratamento indicado. São sacerdotes da saúde, da prevenção, da profilaxia ao tratamento clínico, laboratorial ou cirúrgico. Doam suas vidas, e recentemente foram heróis anônimos de uma guerra contra um vírus que se fez pandêmico, afetando muito mais que a metade dos habitantes do mundo. Muitos não tinham tempo nem mesmo de voltar para casa, para a família, que o padecimento coletivo e extraordinário os prendia na frente de batalha em que lutavam com as armas do Conhecimento e do Amor. E como devem ter sofrido, em desespero, os que se viram impotentes, entre nós, à falta do oxigênio essencial para a vida de muitos que, por isso mesmo, foram à morte em hospitais públicos do Amazonas.

Sua profissão é um sacerdócio, que os faz anjos da bondade divina, como a nós mostrava diariamente Ana Maria Braga – que tem, com justiça, seu nome em um dos CAICs do Amazonas – e para quem tratar da saúde alheia constituía, como se dá com muitos, missão entregue por Deus.

Trago, como símbolo do respeito aos que a tanto dedicam suas vidas, o compromisso pronunciado pelos formandos no curso de graduação, quando recebem o título de médico, onde é possível encontrar profundas lições de ética e de respeito pela vida humana. Falo do Juramento de Hipócrates, que se repete, mundo afora, por séculos e  séculos, atualizado em 2017 pela Assembleia Geral da Associação Médica Mundial assim: “Como membro da profissão médica: RESPEITAREI a autonomia e a dignidade do meu doente; GUARDAREI o máximo respeito pela vida humana; NÃO PERMITIREI que considerações sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica,  sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interponham entre o meu dever e o meu doente; RESPEITAREI os segredos que me forem confiados, mesmo após a morte do doente; EXERCEREI a minha profissão com consciência e dignidade e de acordo com as boas práticas médicas; FOMENTAREI a honra e as nobres tradições da profissão médica; GUARDAREI respeito e gratidão aos  meus mestres, colegas e alunos pelo que lhes é devido; PARTILHAREI os meus   conhecimentos médicos em benefício dos doentes e da melhoria dos cuidados de saúde; CUIDAREI da minha saúde, bem-estar e capacidade para prestar cuidados da maior qualidade; NÃO USAREI meus conhecimentos médicos para violar direitos humanos  e liberdades civis, mesmo sob ameaça; FAÇO ESSAS PROMESSAS solenemente, livremente e sob palavra de honra.”

DEUS PROTEJA NOSSOS ANJOS!

Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas

lourencodossantospereirabraga@hotmail.com

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