O tema desta conversa tomou conta, por necessário, das atenções governamentais em todos os níveis, quanto da imprensa, a partir de atos criminosos praticados por adolescentes no interior de escolas, no sul do país, em Blumenau, como neste outro extremo, matando e ferindo crianças e adultos, servidores e professores, vítimas incapazes de qualquer defesa, justo por se encontrarem no ambiente que deveria ser tão sagrado quanto templos religiosos, pelo que ali se constrói diuturnamente, na criação e na transferência do Conhecimento.
Armas de fogo ou brancas, bombas caseiras construídas talvez pelos próprios delinquentes, como eram chamados pelo Código de Mello Matos os jovens que praticavam os delitos que agora o Estatuto da Criança e do Adolescente denomina de ato infracional, mesmo que o resultado seja o evento morte ou se compare com a consequência de ações terroristas. Verdade, e sequer discuto, que a mudança do trato legal contribui extraordinariamente para a desejada e imprescindível ressocialização. Mas, é de fato o que tem sido levado para o interior de escolas, além das substâncias tóxicas ali comercializadas até com alguma liberdade, em lugar, muitas vezes, dos livros didáticos e paradidáticos quase sempre doados pelo próprio Estado, tal como se dá com o uniforme e a merenda, tudo que é considerado esteio indispensável ao processo de aprendizagem e à permanência do aluno no ambiente escolar.
Assusta? Aterroriza!
Dia desses, a Coordenadora de uma escola pública encaminhou-me a mim mensagem do teor seguinte: “Ao sair de casa, eu falo para quem fica, estou indo e que Deus nos proteja. Não se sabe o que pode acontecer. Sei que vou, mas não sei se volto viva.” Eis a resposta. Como a nobre mestra, muitas outras se hão de ter sentido amedrontadas, tomadas de pânico até, em substituição à alegria do reencontro diário com aqueles que estão ajudando a formar, moldando-lhes o caráter e preparando-os para o depois da vida cotidiana.
É o que também se pode dizer dos pais, das mães, dos avós, todos que, em tempos outros, confiavam na escola como lugar seguro de convivência de seus filhos e netos em formação, centro de troca de experiências sadias e construtivas. Nestes tempos, há filhos que não retornam vivos à convivência familiar, professoras que não sobrevivem à sanha de descontrolados jovens que agem como a vingar-se de tudo e de todos à sua volta, matando por matar, agredindo por agredir, aterrorizando por estranho prazer de provocar o caos.
Não é de agora que o ambiente escolar vem sendo progressivamente modificado. Houve tempo em que Inspetores, ou Bedéis, tomavam conta da disciplina, às vezes com rigor, outras tantas com carinho e orientação. No Colégio Estadual, dentre outros, o Gordinho, também jogador de futebol, o Henrique, que era também Porteiro, o Análio, o Braguinha, que os chefiava; no Instituto de Educação, a Valentina, a Santina, dona Santa, dona Rosa, dona Hilda da tapioquinha; no Colégio Dom Bosco, padre Filinto, padre Agostinho e tantos outros que fizeram a educação de gerações ao lado de professores que se sentiam seguros dentro da escola, mesmo que não estivessem a trabalhar com “santinhos” de comportamento exemplar. Mas não havia faca, nem droga, nem revólver, nem bala, e a única bomba que se conhecia era o apelido dado a eventual reprovação.
Depois, a Constituição de 1988 instituiu o regime jurídico único de pessoal na Administração e exigiu aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos para o provimento de cargo público e foi quando governos de diferentes níveis foram optando progressivamente pela não renovação dos quadros de efetivos, principalmente nas chamadas funções auxiliares, preferindo passar a contratar empresas prestadoras de serviço e essas resultando responsáveis pela admissão e manutenção dos que devem trabalhar para o Estado. Ter-se-á perdido a partir daí em qualidade e em compromisso, assim como em investimento na qualificação, o que se deu principalmente nas áreas de saúde e educação. Mais adiante, talvez como consequência, a “segurança” das escolas passou a ser objeto de controle tecnológico feito à distância e grades e portões fechados a cadeado passaram a constituir a normalidade diária dos prédios. E até se instituiu, aqui e acolá, a “revista” com detector de metais, talvez mesmo sem avaliar muito o que isso pode significar para uma criança ou um adolescente.
Só que agora, talvez por imitação do que já acontecia com alguma frequência em outros pontos do planeta, o perigo passou para o lado de dentro da grade, com ingresso franco assegurado ao agressor, porque aluno regularmente matriculado.
É mesmo problema grave de segurança pública, e assim vem entendendo o governo federal, com o envolvimento de vários de seus órgãos para o necessário enfrentamento. Também governos estaduais e municipais dedicam, neste tempo, a atenção necessária. E é preciso, de verdade, agir com rigor, usando meios e modos de garantia da boa convivência humana, sobretudo com os recursos tecnológicos disponíveis, porque eventual afrouxamento pode levar a agravamento indesejável e incontrolável.
Penso, porém, aqui deste cantinho, tratar-se de questão que interessa também, e essencialmente, à Educação, não bastando apreender os adolescentes infratores e seus instrumentos infracionais. Guardas nas escolas, armados ou não – e aqui concordo com o eminente doutor Sérgio Fontes, que cuida do assunto no Município de Manaus – até podem contribuir significativamente, mas considero, com a permissão necessária, que a gravidade da situação exige o envolvimento de todas as forças vivas da sociedade, as universidades, as escolas, o Judiciário, o Ministério Público, os políticos, as igrejas, a imprensa, professores, alunos, pais, todos, enfim, não sendo de considerar apenas “maus exemplos” os que forem afastados do ambiente escolar por indisciplina gravíssima. É preciso que técnicos em educação sejam convocados a debruçarem-se sobre o problema, em busca de identificar causas, origens e efeitos com vistas ao oferecimento de propostas de solução, de curto, médio e longo prazos.
É hora, permito-me sugerir, de considerar a hipótese de passar a contar com o trabalho de psicólogos, com regularidade diária, dividindo com pedagogos o trato das questões pertinentes. E até, vou além, discutir a inclusão do ensino da Psicologia nos currículos escolares, como sempre aconselha o estudioso doutor Raimundo Gifonni, conduzindo crianças e adolescentes – estes na conhecida fase de transição em que as dificuldades de relacionamento costumam agravar-se, até por necessidade de autoafirmação – ao estudo do comportamento humano, dos medos, das fobias, das alegrias, das tristezas, enfim, dos sentimentos que, em conflitos até externos à escola, possam ser responsáveis por desvios de natureza dos que estamos cuidando.
Afinal, não custa lembrar, a melhor forma de não resolver um problema é fazer de conta que ele não existe.
Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas