A comunidade católica sente, em todos os cantos do mundo, a partida de seu líder, o Francisco da paz, da simplicidade, do amor às crianças, aos pobres e aos necessitados, o guerreiro valente que tanto se dedicou a reescrever a história da Igreja encastelada em dogmas antigos para fazê-la próxima dos que nela creem, retirando-a da inércia das tradições e escancarando suas portas para todos os fiéis.
Saúde abalada, foi internado por mais de mês para tratamento de doença pulmonar, vinda de deficiência antiga que o perseguia desde antes de começar a exercer o ministério que escolheu para sua vida na Argentina, fazendo-se jesuíta e assumindo a humildade do Francisco já canonizado por sua Igreja, o santo dos pobres, e se pôs a fazer o serviço de servir , em linha de mais “consolar que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar que ser amado”. Passou a professar, com crença absoluta, que “é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado”, seguro , desde sempre, de que “é morrendo que se vive para a vida eterna”. Francisco, o predecessor, orientou fundamentalmente todo o trabalho missionário de Jorge Mario Bergoglio, fazendo-o consciente de que a missão escolhida era a de servir a quem mais necessita, talvez como forma de buscar, pela diminuição das distâncias e das dores, a paz quase sempre por muitos desejada.
Ouvindo e lendo sobre sua internação em hospital italiano que já recebera outros pontífices e onde contou, em unidade de tratamento intensivo, com recursos modernos de ventilação mecânica para os combalidos pulmões e brônquios atingidos por pneumonia recorrente, lembrei do que, no curso de pandemia devastadora que a tantos atingiu, em todos os cantos, a muitos faltou nos hospitais públicos desta cidade que já foi a Paris dos Trópicos e que viu morrer filhos seus contados às centenas por falta de oxigênio para respirar, por omissão criminosa que acabou por levar a covas rasas corpos inanimados vítimas da incúria de alguns. E terá sido, certamente, de valor indispensável o que pelo líder católico fizeram os aparelhos que aqui faltaram, permitindo-lhe recuperar-se, mesmo lentamente, e voltar para casa com a saúde restabelecida. Oraste por esses irmãos todos, Francisco, como de resto fizeste por todas as vítimas da peste contemporânea.
Muito já se disse sobre teu exercício papal. Eleito, em tua primeira aparição pediste ao povo fiel que rezasse por ti, em gesto de humildade conflitante com a tradição da primeira benção. E só depois abençoaste. Também não quiseste o anel de ouro, tantas vezes beijado em reverência por quantos visitaram os Papas que te antecederam. Trocaste-o por um de latão amarelo, de custo infinitamente menor, porque também já estavas decidido a abraçar como forma de acolher e de abençoar.
Rejeitaste, igualmente, os ricos aposentos da residência oficial e foste morar em apartamento de propriedade do Vaticano. Não pretendeste com isto desfazer ou desmentir nada do que já estabelecido, senão que desejaste mostrar ao mundo decisão no sentido de servir, sem os ornamentos tão caros e pomposos de sempre. Afinal, a Igreja que já pretendias erguer era, como hoje é, a força da fé que aproxima os pobres e os necessitados, os enfermos e os presidiários, os esquecidos e os abandonados, os que não têm anéis nem suítes luxuosas para descansar o corpo depois de faina diária exaustiva.
Não agiste assim para impressionar ou para “vender” imagem politicamente interessante, eis que em tua diocese argentina era como fazias, caminhando muito em busca de construir forças capazes de diminuir a dor e a pobreza, e quando não te era possível chegar mais distante usavas o transporte público, onde eras igual mesmo que ali muitos te reverenciassem.
Foste sempre um bom jesuíta, portanto, e jamais descumpriste a ligação de fé com o santo que te fez escolher o nome de papado, o primeiro Francisco, não Pio, nem João, nem Pedro, mas Francisco como o santo dos pobres, o mais humilde.
Tua voz sempre ecoou para além dos prédios, das capelas, das ermidas, das oradas espalhadas pelo mundo, e tuas preces sempre fortes pediam a proteção das crianças e dos adolescentes, sobretudo os entregues ao abandono, à fome crônica, ao desprezo, ao vício. Foi assim que te dirigiste a mais de três milhões de pessoas na Copacabana brasileira, durante Jornada Mundial da Juventude, falando de amor, de entrega, de compreensão, de perdão, de renúncia e de construção.
Jamais cansaste de orar pela paz entre os homens, proclamando que a guerra é sempre derrota, eis que há os que perdem porque matam e os que perdem igualmente porque morrem.
Jamais se disse de um gesto teu de discriminação de qualquer natureza ou origem e reuniste líderes de diferentes crenças, cristãos e não cristãos, respeitando a todos e em todos dignificando o direito de crer. Talvez porque, Francisco, como teu mentor espiritual, sempre acreditaste na força da oração e da fé.
Construíste uma igreja nova, difícil de ser desfeita pelos que vierem depois de ti. Certo que não conseguiste o quanto pretendias, mas é verdade que haverás de ser lembrado como o Papa que avançou na desmasculinização da Igreja que dirigiste, ressaltando e reconhecendo o extraordinário valor da mulher no fazimento de toda a obra evangélica a que te dedicaste.
Jesuíta do Amor, peregrino da Paz é o que foste entre nós que aqui ficamos.
Ave, Francisco!