
A Justiça Federal concedeu habeas corpus, na noite desta sexta-feira, ao empresário do ramo musical Matheus Possebon, que havia sido preso na Operação Disco de Ouro, da Polícia Federal, suspeito de integrar o núcleo financeiro de um esquema de garimpo ilegal em Terra Indígena Ianomâmi. Ele e seu agenciado, o cantor Alexandre Pires são investigados por conta de transações financeiras envolvendo mineradoras suspeitas de exploração ilegal de cassiterita na Floresta Amazônica, em Roraima.
No recurso, a defesa de Possebon alegou “constrangimento ilegal” e destacou que o empresário é réu primário, tem ocupação lícita comprovada e que não há qualquer indício ou comprovação de que ele represente periculosidade ou risco à ordem econômica.
Em sua decisão, a desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso sublinhou que não há indícios que justifiquem a prisão preventiva do réu, que deve ser a última alternativa possível. Argumentou ainda que “há diversas situações fáticas que ainda merecem esclarecimentos, no que tange à relação existente entre o paciente e o investigado (o responsável pela mineradora)”.
“Não se pode perder de vista que o cerceamento da liberdade de um cidadão deve ser compreendido como a última alternativa, de forma que não é razoável a decretação da prisão preventiva, ao fundamento da garantia da ordem pública e da ordem econômica, quando há outras medidas alternativas igualmente eficazes“, discorreu a magistrada.
“Apesar do volume de informações abordadas, é frágil quanto à comprovação: do risco efetivo de reiteração delitiva, da periculosidade dos agentes e da contemporaneidade da medida. Da mesma forma, ainda que os recursos financeiros apontados sejam de elevada monta, é desproporcional falar-se em prisão justificada pelo risco à ordem econômica, tendo em vista que, conforme apontado pelos impetrantes, o paciente possui atividade empresarial lícita, que lhe permite auferir rendimentos consideravelmente mais elevados que aqueles indicados pelo decisum. Acrescenta-se que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis, de forma que nada há nos autos a indicar que sua liberdade comprometerá a aplicação da lei penal e a instrução do processo”, escreveu a desembargadora.
Procurado, o advogado de Possebon reagiu à decisão e voltou a criticar a prisão do empresário.
— Raramente me deparo com decisão tão descabida e equivocada. Felizmente o erro foi corrigido a tempo de Matheus retornar a suas atividades normais — disse Fábio Tofic Simantob.
Matheus Possebon foi preso na última segunda-feira quando acompanhava seu agenciado Alexandre Pires numa série de shows num cruzeiro, que estava ancorado em Santos. De acordo com as investigações da Polícia Federal, ele teria recebido cerca de R$ 1,74 milhão da mineradora Betser, o que levantou suspeitas sobre uma sociedade oculta do empresário junto à mineradora investigada por garimpo ilegal.
A ‘Disco de Ouro’
O inquérito aponta que “há evidências da prática do delito de lavagem de capitais pelos participantes do esquema criminoso, a partir da ocultação e dissimulação da origem ilícita dos recursos obtidos com os lucros da exportação do minério ilegalmente extraído das terras indígenas de Roraima, através da pulverização de recursos a partir das contas bancárias de Possebon” e de outros suspeitos.
A Operação Disco de Ouro também cumpriu mandados de busca e apreensão contra o cantor Alexandre Pires. A PF aponta que Pires recebeu dois depósitos, de R$ 357 mil e de R$ 1 milhão em suas contas bancárias. A investigação identificou ainda que uma das contas bancárias do músico também chegou a enviar, em uma atividade considerada atípica, R$ 160 mil para a mineradora.
Para os investigadores, essas movimentações financeiras indicam que a conduta de Pires “ignorou a origem do dinheiro e assumiu o risco de ser proveniente de atividade criminosa”. Ainda de acordo com o inquérito, “os valores expressivos advindos de uma pessoa jurídica do ramo minerário com artista consagrado nacionalmente é um forte indicativo de ignorância deliberada sobre a origem criminosa do dinheiro de forma a evitar responsabilização criminal”.
Para a PF, há indícios de que foi armado um suposto esquema para a retirada ilegal de cassiterita da Terra Indígena Yanomami. O minério valorizado internacionalmente seria declarado como originário de um garimpo regular no Rio Tapajós, em Itaituba, no Pará, e supostamente transportado para Roraima para tratamento. As investigações apontam que tal dinâmica ocorreria apenas no papel, já que o material era extraído do próprio estado de Roraima.
“Foram identificadas transações financeiras que relacionariam toda a cadeia produtiva do esquema, com a presença de pilotos de aeronaves, postos de combustíveis, lojas de máquinas e equipamentos para mineração e laranjas para encobrir movimentações fraudulentas”, informou a PF, em nota.
A operação chamada de Disco de Ouro é um desdobramento de uma ação da PF deflagrada em janeiro de 2022, quando 30 toneladas de cassiterita extraídas de terra indígena que se encontravam depositadas na sede de uma empresa investigada e estariam sendo preparadas para remessa ao exterior. As investigações seguem em andamento. Com Informações OGlobo.