A liberdade de expressão é uma das pedras angulares de qualquer sociedade democrática. Trata-se do direito fundamental de manifestar pensamentos, ideias e opiniões livremente, sem a temida censura ou interferência prévia. Essa garantia está firmemente ancorada na Constituição Federal brasileira e em tratados internacionais, sendo o oxigênio do debate democrático e crucial para o livre intercâmbio de informações e a diversidade de perspectivas.
É crucial entender, contudo, que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Como todo direito fundamental, encontra seus limites na necessidade de proteger os direitos alheios, a honra, a dignidade e a ordem pública.
A lei brasileira traça uma linha clara: a manifestação não pode ultrapassar os limites legais. Isso significa que a liberdade de expressão não cobre atos criminosos como difamação, calúnia, injúria, incitação ao ódio ou à violência. A regra é a responsabilização posterior por manifestações que rompem a barreira da legalidade, e não a censura prévia. O abuso desse direito pode e deve levar à responsabilização penal ou civil.
Essa regra constitucional — a punição a posteriori — foi colocada à prova pelas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente aquelas proferidas pelo Ministro Alexandre de Moraes. As medidas trouxeram a distinção entre censura e responsabilização para o centro de um intenso debate público e jurídico.
As decisões se deram no âmbito de inquéritos sensíveis, como o das Fake News e o dos Atos Antidemocráticos, que investigam a produção e disseminação de conteúdo digital ofensivo à Corte ou às instituições democráticas. O ponto central da polêmica reside nas medidas cautelares que, para muitos críticos, se aproximaram perigosamente da censura prévia ou de uma restrição excessiva à liberdade de expressão.
As Controvérsias:
- Bloqueio de contas e perfis: O STF ordenou o bloqueio de contas em redes sociais. Embora a justificativa seja interromper a propagação de desinformação e ataques, a paralisação total da capacidade de expressão de um indivíduo antes de um julgamento final foi interpretada por alguns como uma forma de censura prévia de facto.
- Alegação de ameaça e ódio: A Corte tem justificado suas ações argumentando que as manifestações não se enquadram na liberdade de expressão legítima, mas sim em discurso de ódio ou ameaça real às instituições. Para o STF, a propagação coordenada de ataques precisa ser contida imediatamente para proteger a ordem pública.
A Dicotomia Jurídica:
O cerne da discussão é o equilíbrio entre a Punição a Posteriori (a regra constitucional) e a Proteção Preventiva (o dever do Judiciário de agir cautelarmente para evitar um dano iminente e irreparável à ordem pública ou à democracia).
Os defensores das decisões argumentam que, dada a velocidade de disseminação de fake news na era digital, a responsabilização posterior é ineficaz, e o bloqueio imediato é uma medida de emergência. Os críticos, contudo, alertam para o risco de discricionariedade e abuso, pois a suspensão de contas de forma ampla e célere pode abrir um precedente perigoso, gerando um efeito inibidor (“chilling effect”) sobre a legítima crítica ao poder público.
Opinião Pública e o paradigma democrático
Essa liberdade de manifestação está intrinsecamente ligada ao conceito de opinião pública, um fenômeno que não é monolítico, mas sim o resultado de um complexo processo de discussão coletiva.
Para os pesquisadores brasileiros Figueiredo e Cervellini (1995), a opinião pública exige:
- Formação: Surge do debate público, que não precisa ser estritamente racional.
- Forma: Exige expressão pública (manifestações, pesquisas, etc.).
- Objeto: O tema deve ser de relevância pública.
- Sujeito: Deve corresponder a um grupo de pessoas, reconhecendo a relevância das expressões majoritárias e minoritárias.
A opinião pública é, portanto, o resultado de fenômenos que se originam de um debate sobre assuntos de interesse coletivo. Ela é pública no duplo sentido de nascer da discussão e ter como foco questões de interesse comum.
A intersecção entre a liberdade de expressão e a opinião pública é onde a democracia se realiza. O desafio constante de uma sociedade livre é manter esse equilíbrio: defender a liberdade de expressar ideias, ao mesmo tempo em que se coíbe o abuso que atenta contra a honra, a dignidade e a convivência democrática. A verdadeira força de nossa democracia reside na capacidade de debater, discordar e, sobretudo, respeitar os limites que nos protegem uns dos outros.
Ronaldo Aleixo
É jornalista (DRT 96423/SP), filiado à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e ao Sindicato dos Jornalistas de Roraima (Sinjoper). Possui formação como Tecnólogo em Marketing pela Uninter-AM e é pós-graduado em Jornalismo Digital, Jornalismo Investigativo, Docência do Ensino Superior, Gestão de Mídia Social e MBA em Ciência Política: Relação Institucional e Governamental, todas pela Uninter-PR.
Referências Bibliográficas
- FIGUEIREDO, Rubens; CERVELLINI, Sílvia. (1995). O que é Opinião Pública. São Paulo: Brasiliense.
- FRASER, Nancy. (1999). Repensando a Esfera Pública: uma contribuição para a crítica da democracia realmente existente. Dados – Revista de Ciências Sociais, vol. 42, nº 3.
- HANISCH, Carol. (1970). The Personal is Political. In: SARACHILD, Kathie et al. (Eds.). Notes from the Second Year: Women’s Liberation. Nova York: Radical Feminism.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.
- BRASIL. Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa – citada como referência histórica).
- ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.