CONVERSA COM MINHA MÃE – Por Lourenço Braga

Tentei algumas vezes escrever  um texto  para festejar o Dia das Mães, mas a saudade sufocante de tua ausência física, minha mãe, não me permitia, abafado por lágrimas vertidas dos olhos e do espírito. E foram muitas as lembranças que se puseram  a desfilar diante de meus olhos umedecidos, como se fossem filmes de uma vida que tive o privilégio de dividir materialmente contigo, sempre sob teu olhar protetor e de luz cintilante a defender-me e a me orientar na caminhada.

Resolvi escrever este bilhete e me vi tomado por tuas mãos caminhando juntos no chão de barro às vezes enlameado  da avenida Ayrão rumo ao grupo escolar “Antônio Bittencourt” dirigido pela professora Janet do Rego Barros  Serejo,  cujas instalações pertenciam, de fato, ao grupo “Plácido Serrano”, de poucas salas de aula, no lugar onde existe uma biblioteca da Universidade Federal, ao lado do hospital Getúlio Vargas. E quando retornávamos para casa eu nem conseguia a “arte” de fugir da feitura das tarefas, eis que determinadas por Sebastiana, a mestra e mãe. Posso dizer, então, com orgulho singular e gratidão ao Criador, que os primeiros passos de minha jornada deram-se contigo e a partir de tua dedicação extremada ao magistério que viveste até os 98 anos de tua permanência neste plano do mundo.

Fui teu aluno na escola, na casa e na vida!

Foi assim até concluir o curso primário, hoje ensino fundamental I, e submeter-me ao Exame de Admissão ao curso ginasial do Colégio Estadual do Amazonas não chegou a constituir mistério porque para tanto me havias preparado. Lembrei, então, das lágrimas que se juntaram em nós para festejar a aprovação naquele primeiro concurso e os beijos que me deste  fundaram em mim a confiança  necessária para a caminhada nova. Ali não te teria mais na sala de aula, o que me assustava, mas espargias luz igual na orientação doméstica dos exercícios novos, de ciências desconhecidas e de idiomas de contatos inaugurais.

Depois, o tempo de estudos  no Instituto de Educação, de Lila Borges de Sá, aluno de Aristóteles Alencar, João Chrysóstomo, Garcitylzo,  Mirtes Trigueiro, Neuza Ferreira, José Braga,  e tu permaneceste viga mestra de orientação do caminho, cobrando os estudos e até ficando aborrecida quando chamada para ficar ciente  de  comportamentos nem tão correspondentes ao menu de disciplina. Tua sabedoria parecia reforçar-se em momentos assim e quando   não só oravas punhas-te a apontar a necessidade de correção de rumos e de reajustamento de conduta, sem palavras ásperas, sem castigos físicos, preferindo sempre demonstrar com exemplos. Não raro dizias o quanto era preciso fazer jus à confiança depositada por Lourenço, o pai e comandante a quem devotaste amor incondicional por mais de meio século de convivência material e nos vinte anos que se seguiram à sua passagem para o mundo dos espíritos.

Jamais faltou o incentivo e a palavra de crença, como se deu com a farda de gala, em cada ano, para o desfile escolar de 7 de setembro, ainda que com sacrifício financeiro extremo, até o  último ano ali, para te orgulhares do filho que comandou a Escola inteira na “parada” da avenida Eduardo Ribeiro.  Tenho na mente e no espírito teus sorrisos e teus aplausos na galeria de chão da pista onde desfilavam garbosos alunos de todas os colégios.

Dividimos as incertezas da vida política estudantil e graças a teu apoio exerci, ainda aos 16 anos de idade, a função de diretor do curso de admissão promovido pelo grêmio “Marciano Armond”, certo que essa alegria já demonstrava, mesmo que eu nem soubesse, vocação para seguir-te os passos na difícil arte de ensinar, a que também me dediquei por mais de 40 anos. Dividimos igualmente o medo e a fé quando me vi desafiado por acidente que me comprometeu a visão de um dos olhos. Em ti e em Lourenço, como  nos  irmãos João, José, Maria Justina, Ana Maria e Robério,  encontrei força para prosseguir e, mercê da bondade divina, para vencer.  Foste luz também ali.

Na disputa do vestibular não me negaste o apoio, o carinho e, como sempre, os ensinamentos  necessários ao sucesso almejado, e ao entrar na Faculdade de Direito, que anos depois viria a dirigir, prometi que buscaria repetir o extraordinário feito de João, o primogênito, e te entregar, como ele, o anel simbólico das melhores notas no curso. Foi assim que te vi reluzente no belo Teatro Amazonas aplaudindo a vitória que, bem sabes, era tão minha quanto tua e de Lourenço que recebeu o prêmio conquistado das mãos do magnífico reitor Aderson Dutra. Teu abraço permanece em mim e o beijo na fronte foi demonstração eloquente de teu carinho e de teu contentamento.

Depois, o exercício de cargos e funções públicas relevantes, e cada posse festejavas guardando fotos e recortes de jornais e de revistas e, entre beijos de ternura única, a recomendação para não me deixar envaidecer, não descumprir as regras éticas dos ensinamentos teus e do comandante que sempre punhas em destaque. Foram muitas as vezes em que isso se deu, mais de dez, e repetida a orientação para procurar servir como sempre também fizeste.  Diz-me minha consciência que se mais não fiz terá sido por carência de condições materiais, até políticas momentâneas, mas não me faltaste em forma e confiança e de amor.

Também foi assim quando, na elegância de roupa que combinava com o alvo de teus cabelos, aplaudiste minha ascensão  ao cargo de diretor de uma das três faculdades de direito mais antigas do Brasil, e renovaste, entre sorrisos e lágrimas de alegria, pedidos a Deus para continuar me iluminando, como sempre dizias nas bençãos diárias que busquei até o último de teus dias fisicamente entre nós. A mestres e a alunos que ali estavam abraçaste indiscutivelmente envaidecida por sentimento de dever cumprido.

Não foi diferente quando, sentada em poltrona da primeira fila do auditório me recebeste para  vestir os paramentos de primeiro reitor da Universidade do Estado do Amazonas que o governador Amazonino acabara de criar. Ali me acompanhaste, mesmo à distância, por quase sete anos, ao tempo em que João era conselheiro e presidente do Tribunal de Contas do Estado, José desembargador federal e presidente do Tribunal do Trabalho daqui e Robério secretário de Estado de Cultura. Foi tempo de plenitude para teu coração materno, como disseste em belo discurso que pronunciaste no plenário do TCE na despedida de teu filho mais velho. Não tenho dúvida de que, em plano superior, Lourenço o pai te aplaudia pelas conquistas todas que eram frutos de tua dedicação e de tua fé.

Agora que já não posso acariciar teus cabelos nem beijar-te a fronte renovo meu amor e no instante em que concluo estas mal traçadas linhas te entrego de presente o que de Deus venho de receber na voz de Aristóteles de Alencar Filho: acabo de ser eleito membro da Academia Amazonense de Letras.

Deus te abençoe, minha mãe,  no dia que é reservado às heroínas da criação, que homenageio em ti.

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