As SAF e a Recuperação Judicial

Felipe Squassoni – DASA Advogados

A Recuperação Judicial é um instituto previsto na Lei 11.101/2005, conhecida como Lei de Falências e Recuperações Judiciais. Esta Lei tem como objetivo, viabilizar a superação de uma crise econômico-financeira vivenciada por uma empresa tornando-se, portanto, uma medida para evitar a falência.

 

O Processo Recuperacional busca realizar uma negociação entre a empresa devedora e seus credores, acerca do valor do crédito devido, assim como a forma e prazo de pagamento. A ideia central deste processo não é apenas ajudar a empresa por si só, mas sim auxiliar a estrutura consumerista como um todo, ou seja, evitar o desemprego de trabalhadores, evitar que fornecedores percam clientes e que consumidores percam produtos e/ou serviços, bem como possibilitar que o Estado não perca arrecadação por meio de impostos.

 

Nesse sentido, os créditos trabalhistas, assim como aqueles oriundos de contratos que não possuem garantia fiduciária, passam a ser sujeitos à um concurso de credores e possivelmente, a um deságio (diminuição no valor a ser pago), possibilitando assim que essas empresas se recuperem das dificuldades financeiras e se reestruturem com o passar do tempo.

 

Ressalta-se que a Recuperação judicial não é um meio do devedor se eximir do pagamento das dívidas que contraiu, uma vez que o procedimento Recuperacional será fiscalizado pelos seus próprios credores, pelo juiz responsável pelo processo e pelo Administrador Judicial nomeado. Sendo assim, o devedor deverá arcar integralmente com o pagamento dos valores negociados, e, caso isso não venha a ocorrer da forma estipulada no Plano de Recuperação previamente aprovado, poderá ser decretada a convolação em falência da empresa em recuperação.

 

A respeito da legitimidade ativa deste processo, o artigo 1º da Lei 11.101/2005 dispõe que a Recuperação Judicial somente pode ser requerida por sociedade empresária ou empresário, e ainda, em seu artigo 2º, indica um rol daqueles que não podem requerer este instituto.

 

Baseando-se nestes artigos, entende-se que a pessoa jurídica ou a pessoa física que desenvolver atividade empresarial e não for mencionado no artigo 2º da LFRE, estará legitimado para requerer a recuperação judicial ou extrajudicial, bem como requerer a falência ou sofrer pedido de falência ajuizado por credor.

 

No entanto, existem diversas instituições, que desenvolvem atividades de caráter econômico e que não estão incluídas no rol previsto no artigo 1º da Lei supramencionada (sociedade empresária). Consequentemente, estas mesmas instituições, não estão disciplinadas no artigo 2º da mesma lei, restando assim, uma lacuna quanto a legitimidade ativa efetiva.

 

Um legítimo exemplo desta situação, são os Clubes de Futebol, os quais possuem a natureza de Associação Civil e não de Sociedade Empresária, sendo assim, não estão previstos no artigo 2º da LFRE, restando desta maneira, uma margem para interpretações.

 

Atualmente, com o surgimento de um gigante, e multimilionário mercado futebolístico, os Clubes de Futebol não mais se limitam a simples prática competitiva do desporto, mas, tudo que o envolve, é compreendido como um produto a ser consumido pelo público.

 

Desta forma, em virtude das características das atividades desenvolvidas pelos Clubes de Futebol e da mercantilização do esporte, entende-se por bem que estes teriam legitimidade ativa para requerer a recuperação judicial. Porém, como a atual legislação, não faz menção as associações civis, estas, em regra/tese, ficam impedidas.

 

Nesse cenário, uma importante reviravolta de entendimento jurisprudencial se deu em março de 2021 quando, Torres Marques, o Desembargador Relator do processo nº 5024222-97.2021.8.24.0023 em sede de apelação desconstituiu a sentença apelada e reconheceu a legitimidade ativa do Figueirense Futebol Clube para requerimento de recuperação judicial, usando-se do argumento que “por não constar no rol de entes excluídos, as associações civis podem ser submetidas ao instituto da recuperação judicial ou falência, caso preenchidos os demais requisitos legais (art. 8º do CPC)”.

 

O desembargador em sua decisão ainda utilizou o argumento de que a Lei Pelé (Lei 9.615/1998) “ao instituir normas gerais sobre desporto, estipulou que as entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica sob a qual estejam constituídas, equiparam-se às das sociedades empresárias (§ 13 do art. 27)”.

 

Deste modo, a possibilidade de os clubes de futebol requererem recuperação judicial, vem crescendo cada dia mais, levando em conta não apenas a decisão mencionada acima, mas também, a recém instituída Lei 14.193/21, conhecida como Lei da SAF (Sociedade Anônima do Futebol).

 

Esta lei trouxe a regulamentação das Sociedades Anônimas de Futebol, bem como diversas previsões referentes a sucessão de empregadores, execução coletiva e recuperação judicial.

 

As Sociedades Anônimas de Futebol (SAF) são uma estrutura jurídica utilizada por clubes de futebol no Brasil para gerir suas operações de maneira mais profissional e transparente. A SAF permite que os clubes sejam organizados como empresas, com acionistas e uma estrutura de governança mais clara.

 

A ideia por trás das SAFs é proporcionar aos clubes uma gestão mais eficiente, capaz de atrair investimentos e gerar receitas de forma mais sustentável. Isso inclui a possibilidade de captação de recursos no mercado financeiro, além de uma maior transparência na administração dos clubes.

 

O artigo 13, inciso II da Lei da SAF trouxe expressamente a previsão de que o Clube poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, bem como a seu exclusivo critério, pelo concurso de credores, por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101/05, uma vez que reconhece, em seu artigo 25, que os Clubes exercem atividade econômica, sendo assim, admitidos como parte legítima para requerer a recuperação.

 

Esta hipótese se assemelha ao procedimento de Reunião de Execuções no que se refere o Plano de pagamento trabalhista, mas umas das principais diferenças são a possibilidade do aumento do prazo para pagamento e a possibilidade de deságio, respectivamente conforme os artigos 15 e 21 da Lei da SAF. O requerimento deverá ser endereçado ao presidente do Tribunal Regional do Trabalho, cabendo a esse Tribunal disciplinar o RCE por meio de atos próprios.

 

Entre os clubes que resolveram arriscar está “reviravolta” em suas situações econômicas, atualmente, pode-se citar alguns que já brilharam nos gramados do Brasil e da América do Sul, como é o caso do Cruzeiro Esporte Clube, bicampeão da Libertadores da América e detentor de diversos títulos estaduais e nacionais. Além dele, o Santa Cruz Futebol Clube, Coritiba Foot Ball Club, Associação Chapecoense de Futebol, Paraná Clube, Avaí e o Joinville Esporte Clube, também seguiram o mesmo caminho.

 

Em suma, a Lei 14.193/21 não apenas previu expressamente a possibilidade dos Clubes de Futebol, requererem a recuperação judicial ou extrajudicial, como também trouxe possíveis saídas benéficas para estes quitarem suas obrigações, principalmente as de cunho trabalhista.

 

Recentemente o TJSC, por meio da 6ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, confirmou a possibilidade de clubes de futebol ingressarem no Judiciário com pedido de recuperação, sem a necessidade de se tornarem SAFs.

 

Um credor do Avaí Futebol Clube, de Florianópolis, questionou, por meio de recurso, a legitimidade dos clubes de futebol ingressarem com pedidos de recuperação judicial.

 

O Desembargador Vitoraldo Bridi, proferiu a seguinte decisão: “A fim de evitar tautologia, adoto os mesmos fundamentos utilizados quando do indeferimento da tutela recursal: Não obstante as relevantes arguições da parte agravante, a possibilidade da recuperação judicial de clube de futebol foi albergada pela Lei n. 14.193/2021, sendo desnecessária a conversão em sociedade anônima de futebol.” (5029594-28.2023.8.24.0000). O Magistrado votou pela negativa do recurso, o qual foi seguido por unanimidade.

 

Hoje, é possível afirmar que os pedidos de recuperação judicial de clubes de futebol se tornaram mais comuns no cenário brasileiro, estando amplamente pacificado no Brasil a sua validade. A decisão citada acima consolida a segurança do processo recuperacional, do clube e de seus credores.

 

Além disso, restou claramente perceptível que, cada vez mais, Clubes de Futebol irão requer pela via judicial, acordos intermediados pelo Regime Centralizado de Execuções ou através do pedido de Recuperação Judicial, considerando as positivas mudanças decorrentes dos posicionamentos firmados pelos Tribunais e as atualizações legislativas, que possibilitaram a restruturação dos Clubes de Futebol no mercado, consolidando o entendimento jurisprudencial.

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