Artigo Dr. Lourenço Braga: Câmara de Gás

Tempo houve em que o cumprimento da pena de morte nos Estados Unidos da América do Norte dava-se em uma câmara de gás. O condenado, depois que a sentença transitava em julgado e, muitas vezes, após negado pedido de clemência que podia formular, por advogado ou por própria assinatura, ao Presidente da República, tomava conhecimento, no que foi convencionado chamar de “corredor da morte”, de data e hora em que se daria sua execução, passando a saber, portanto, até quando permaneceria vivo.

No tempo definido, depois de uma cerimônia religiosa onde, por certo, tinha oportunidade de implorar perdão à divindade, falando de arrependimento, era conduzido com algum respeito à sala onde morreria. E depois da leitura de uma sinopse de libelo, um servidor formalmente incumbido fazia hermeticamente fechada a porta do ambiente em que, obviamente, não havia respiradouro, e ligava o mecanismo que transferia para ali o gás que o condenado deveria respirar até morrer.

Tratava-se, por certo, de um processo de asfixia – à maneira do que chegou a acontecer em Manaus no período mais grave da pandemia, quando faltou oxigênio em hospitais da cidade – que só se concluía com a certeza inquestionável da morte do criminoso.

Utilizado por muito tempo, esse processo foi havido por demasiadamente cruel e a pena passou a ser cumprida em cadeira elétrica, na qual descargas muito altas de eletricidade terminavam por atingir o sistema nervoso central do indivíduo, levando-o a morte fulminante. Houve quem considerasse o processo “menos desumano”.

Depois, alguns estados federados também abandonaram o choque e passaram a usar a aplicação venosa de uma substância letal que abrevia o evento morte e submete o “paciente” a sofrimento menor. Não se assuste o leitor (que já afirmei esperar ser mais de um, além de mim) que não vou trazer à discussão tema relativo à pena de morte. Não neste ambiente. No Brasil, a Constituição a proíbe, e isso basta. Quero, em verdade, reportar-me à razão do título destas linhas.

No Estado de Sergipe, uma dupla, ou um trio, não é a questão, de policiais rodoviários federais fez a abordagem de um cidadão que, segundo disseram depois, dirigia uma motocicleta sem estar com o equipamento exigido pelo Código Nacional de Trânsito capaz de protegerlhe a cabeça, em eventual tombo que o levasse ao chão. Sem o capacete, portanto. E, também como afirmaram depois os jovens policiais, teria o abordado se comportado de forma inadequada, o que gerou a famosa “voz de prisão”, desta feita por desacato à autoridade.

Foi assim que Genivaldo Jesus viu-se levado ao ambiente traseiro do carro da polícia, onde, certamente, seria conduzido a uma posto ou a uma delegacia de polícia na condição de preso em flagrante. Não sei ao certo, nem sabemos todos, provavelmente, o que teria o infeliz Genivaldo dito aos jovens e operosos representantes da força policial do Estado, zelosos e indispensáveis guardadores da regularidade do trânsito nas estradas, que caracterizasse o desrespeito criminoso, depois de flagrado cometendo falta grave trânsito. Mas há de ter sido de tal gravidade que justificasse o uso das algemas, que nem devem ser utilizadas indiscriminadamente, como já definiram os tribunais competentes,

O fato é que, algemado, incapaz de reação qualquer, portanto, Genivaldo, cidadão brasileiro como nós todos, foi posto na parte traseira do carro celular (destinada aos presos), onde, evidente e indiscutivelmente, teria deixado de representar perigo qualquer aos que o prenderam.

Pois bem: um dos diligentes representantes da Polícia Rodoviária Federal, não satisfeito com a imobilização de quem o teria agredido com palavras torpes capazes de, a seu juízo, caracterizar o crime de desacato a autoridade, resolveu que não bastavam as algemas e não era suficiente trancafiar “seu agressor” no que corresponderia ao porta-malas de um carro, e, em ato de crueldade abominável e incomparável, transformou aquele carro em sala de câmara mortífera, ao colocar ali gás lacrimogênio, que Genivaldo passou a inspirar.

Uma câmara de gás ambulante, capaz de levar à morte, como foi um dia a usada, em ambiente fixo, nos Estados Unidos, um cidadão que não praticou crime que lá não o levaria à morte, que não foi sequer processado, menos ainda julgado, e que não teve tempo nem mesmo de avisar a seus familiares que estava sendo morto, nem de pedir, obviamente, clemência ao Presidente.

Um destaque: Genivaldo era negro. A cor de sua pele, sua origem no que chamam de raça era igual à de João Alberto, morto a socos e pontapés na frente de um shopping em São Paulo, justo no dia consagrado à consciência negra, em 2020, e à de George Floyd, americano morto sob o joelho assassino de um policial que pressionava seu pescoço até que não conseguisse respirar, sobre o que já escrevi aqui.

Não há de ser coincidência!

 

*O autor é advogado, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e ex-reitor da UEA* lourencodossantospereirabraga@hotmail.com 

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